O football association tem esse nome de propósito, sem estrelismos ou individualismos. Disso nos esquecemos há muito tempo.
Quando o jogo acabou, suspirei aliviado. Quatro a zero estava de bom tamanho. Vamos e venhamos. O Barcelona humilhou o Santos. Não errou passes, ficou na posse de bola 72% do tempo. Não era o Santos que estava em campo, mas o futebol atual do Brasil, pobre e mal jogado. O Barça nos mostrou como se joga futebol, reconheceu o menino Neymar. Passes rápidos, deslocamentos, antecipações, bola no pé, de pé em pé. O goleiro deles não deu sequer um chutão para a frente. Entregou todas nos pés dos seus. O dos Santos, ao contrário, só deu chutes a esmo. Todas as bolas que lançou foram antecipadas pelos jogadores adversários, possuidores de todos os fundamentos do jogo. Numa delas, Daniel Alves saiu jogando e fez nascer o quarto gol.
É claro, o time adversário, de frente para a bola, tem mais chances de dominar a pelota, mormente se o time é o Barcelona, o melhor do mundo (ou será de outro mundo?). É impressionante o jogo de conjunto, rápido, preciso, insinuante, fatal. Resgata a origem nobre do esporte bretão. O football association tem esse nome de propósito, sem estrelismos ou individualismos. De fato, o futebol é jogo de sócios solidários. Disso nos esquecemos há muito tempo.
Desde agora, sei quem será o campeão da próxima copa. A Espanha, é óbvio. A base do time é o Barcelona. Até o Thiago, filho do Mazinho dos Santos, naturalizou-se espanhol. Estará na seleção. O Daniel Alves só não faz o mesmo porque é do sertão da Bahia, brasileiro até o talo. Há 25 anos, o Barcelona, cansado de comprar craques, iniciou um sério trabalho com os times de base: infantil, infantojuvenil e juvenil, com meninos do mundo inteiro. Messi foi para Barcelona com 11 anos. Os resultados estão à vista. Lá se praticam algumas regras do Neném Prancha, o filósofo do futebol, mencionado pelo saudoso João Saldanha, gaúcho comunista e desabusado no jornalismo e no esporte. Vejam a sapiência do Nenem: “Quando nós atacamos, nós nos desmarcamos; quando eles atacam, nós marcamos em cima até tomar a bola”; “Quem pede recebe, mas quem se desloca tem preferência”; “O jogo é para frente, quem anda de lado é siri”. “A pequena área é do goleiro, se ficar pregado nos paus é galinha”; “Se a coisa está preta na grande área chuta para cima, lá em cima não há perigo de gol”; “Bola não tem barbante, foi feita para rolar na direção do gol”.
Tirante essa de chutão para cima, coisa que o Nilton Santos jamais fez, o time do Barcelona seguiu à risca os preceitos do nosso filósofo da bola. Lá ninguém cava faltas, saem das pernadas e empurrões para dominar a bola e seguir em frente, como fez Messi no último gol. Fosse aqui, o jogador se deixaria derrubar pelo goleiro para bater o pênalti, mais fácil de marcar. Mas nem isso nossos craques estão conseguindo fazer, converter a penalidade em gol.
O Brasil não é mais a pátria do futebol. Hoje, somos bons no vôlei, especialmente no de praia, no vale-tudo (ou quase) que desbancou o boxe nos EUA, no futsal, não porém no futebol. Descemos de nível. Somente não vê quem não quer. E não há solução à vista. Qualquer time brasileiro, fosse Vasco ou Corinthians ou Fluminense, perderia para o Barcelona e outros times europeus. Aqui na América do Sul, nossos times não vencem sequer o Universidad do Chile. O Santos se trancou; se jogasse aberto apanhava de oito. É o jeito de administrar, de treinar, de jogar enfim.
Finalmente, a “Fúria” (seleção da Espanha) perdeu a ferocidade lendária dos espanhóis. Vimos como já foram ira e força no passado, no Peru, no México, com Filipe, o Grande, o maior do seu tempo, o mais forte soberano da Europa. Um dia, resolveu acabar com a pirataria inglesa aos seus galeões e conquistar a Inglaterra. Construiu a Invencível Armada (1588). Ao entrar no Canal da Mancha, uma formidável tempestade destruiu-lhe a frota, para alívio dos ingleses. Saiu-se com essa: “Preparei-me para lutar contra homens e não contra os demônios do mar”.
O Barcelona aderiu ao trabalho artístico de construir times de futebol ou equipas, como se diz em Portugal. Joga na maciota, sem fúria. Está no auge e continuará assim por anos à frente. São mestres toureiros, se livram com elegância da força bruta e quando menos se espera aparecem na frente do gol – Olé! Quiçá os técnicos e presidentes de clubes brasileiros que viram o jogo se tomem de humildade e nos devolvam a alegria de ver o futebol que um dia já tivemos e desaprendemos. Mas serviu de inspiração ao técnico do Barça, de resto preocupado com o arremedo de futebol que ora se joga no Brasil, a pátria do improviso e da firula em tudo, da pelada à política. É ou não é, Jaeci Carvalho, que é mestre e dono da bola? Para mim, seria um ótimo presente de Natal, que desejo farto e pleno de paz para todos os leitores.
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