Sacha Calmon
Advogado, coordenador da especialização em direito tributário da Faculdades Milton Campos, ex-professor titular da UFMG e UFRJ
Convenhamos, somos um país politicamente bagunçado, com uma vocação incrível para o mandonismo presidencial
Assisti estupefato ao discurso inflamado do presidente da República no Dia da Independência do Brasil e um misto de espanto e premonição me tomou. Para mim, estava dada a senha para um golpe de Estado que deporia todos os ministros do STF, inclusive o indicado por Bolsonaro, e fecharia o Congresso Nacional, tal a agressividade da fala presidencial (do chefe de Estado e de governo).
A premonição se revelou errada e outro sentimento me tomou, o de que as Forças Armadas, embora silentes, não embarcaram na façanha do golpe de Estado. Esse sentimento foi se prolongando ao perceber que ninguém fala mais e nem se ouve falar dele, do ministro da Defesa, que, de repente, emudeceu. Chego a desafiar o leitor a adivinhar o nome dessa figura, ora meramente decorativa, embora tenha estado ao lado do presidente no Palácio do Planalto, sendo, por isso, um ministro “de casa” e ademais com ascendência, sendo general, sobre as forças armadas da nação. Essa etapa da nossa história foi decisiva e está até hoje sem explicação.
Agora, vejam só, o próprio presidente repleto de “soi meme”, como dizem os franceses, diz alto e bom som que a possibilidade de um golpe de Estado é zero. “Voilá”, estamos salvos. Viva a democracia, o pior regime político, exceto todos os outros, segundo sir Winston Churchil.
E, para espanto geral, o presidente forte, a vociferar acima de todos, menos de Deus, que não está nem aí para ele, rende-se à normalidade, à democracia, à tripartição dos poderes do Estado, às eleições periódicas, ao povo enquanto eleitor, fundamento e limite das instituições políticas da nação organizada.
A partir de agora, respeitadas as prerrogativas do nosso chefe de Estado e de governo, aos residentes de nosso país, do trabalhador assalariado, passando pelos autônomos, profissionais liberais, empresários, enfim, os brasileiros, sobra o direito fundamental de examinar ao fazeres desse governo, o que tem feito por todos. Acredito sem pestanejar na honestidade pessoal do presidente, mas não diria jamais que no seu governo inexiste corrupção e tenho certeza de que os departamentos de compra dos ministérios agem com uma liberdade jamais vista. E é por esses privilegiados canais que circularia a corrupção.
Em passado recente, ouvimos muito falar da Auditoria Geral da União e da Controladoria. Hoje, mal se ouve falar dessas instituições, embora o Tribunal de Contas da União volta e meia apareça no noticiário do país. A questão é que esse modelo de controle, de origem francesa, examina os cadáveres das contas públicas. Agrada-me mais o modelo inglês, em que o controle é feito “a forfait”, ou seja, de repente o pragmático regime parlamentarista da Grã-Bretanha, em homenagem aos bretões (lembram-se de Asterix?), inventou um tribunal com força suficiente para fechar o Almirantado Inglês, respeitadíssimo, e examinar as contas in loco (totum e totalitur). De tal modo que em Londres, onde se concentra tudo, o controle é severo. O país hoje se chama United Kingdom ou Reino Unido (Susex, Ánglia, Gales, Escócia e Irlanda do Norte).
Neste apanhado, falei há pouco em chefe de Estado e chefe de governo. Pois bem, no presidencialismo que só existe no novo mundo, o presidente da República é a um só tempo chefe de governo e chefe de Estado. No parlamentarismo, seja monárquico, como na Inglaterra ou Holanda, ou republicano, como na Alemanha, que ademais não é república unitária, mas Federal como nós (tem Estados-membros na federação), o chefe do Estado é o rei ou o presidente eleito (como na França e em Portugal) e o chefe de governo é indicado pelo Parlamento. Esclareci!
Não sei bem se seria oportuno para o Brasil o semipresidencialismo português e francês.
Nesses modelos de regime de governo, o presidente é eleito diretamente pelo povo, cabendo-lhe, de acordo com os partidos ou partido majoritário no Parlamento, formar gabinetes de governo, chefiado por um primeiro-ministro.
O presidente tem determinadas competências, como representar o país nos fóruns internacionais, dissolver, sob reservas, o Parlamento e convocar eleições. Mas quem indica o primeiro-ministro são as maiorias no Parlamento. Nesses países tem dado certo. Neles existem partidos definidos. No Brasil, temos dezenas de siglas e não sabemos o que representam, exceto o PT.
Convenhamos, somos um país politicamente bagunçado, com uma vocação incrível para o mandonismo presidencial, com o Congresso feito de políticos oportunistas e adesistas ao poder central.
Não sei por quantas cargas d’água me coube nascer aqui. Mas quem não ama a sua pátria? A quem não amamos?
Aos nossos políticos. Falta-nos uma guilhotina, muitos pensam!
Mas o mandonismo presidencial e o seu golpismo, como não puderam avançar, tornaram S.Exa. o presidente um demagogo gastador, e nunca um político deu tanto dinheiro ao eleitor pobre com o intuito de se reeleger. E, com isso, a inflação cresce sem parar. Uma desgraça nacional. Não se sabe onde vamos parar.
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