Mergulhos na recessão

Os indicadores começaram a anunciar rumos baixistas, o medo de ficar sem dinheiro se enraíza, a depressão instala-se no globo.

Soros, o mago das finanças, não descarta para a economia mundial o duplo “U”, ou seja, dois mergulhos na recessão, um atrás do outro. Há excesso de capacidade instalada industrial no mundo desenvolvido, especialmente na China, países europeus, nos EUA e Japão, mas pouca demanda global. A minoria multimilionária não move o mundo.

Mergulhos na recessão - Economia Mundial

Por toda parte, as classes média e baixa (que aumentaram de tamanho, mas perderam renda) relutam em consumir / Foto: FreeImages.com/Sufi Nawaz

Por toda parte, as classes média e baixa (que aumentaram de tamanho, mas perderam renda) relutam em consumir. A deflação, portanto, é um fenômeno que atinge a China, o Japão, o União Europeia e os EUA e a Índia ou 80% do PIB mundial. 

De repente, os indicadores começaram a anunciar, com persistência, rumos baixistas, o medo de ficar sem dinheiro se enraíza pouco a pouco e nova depressão instala-se no globo. Se há dinheiro, mas poucas opções de gasto, salvo financeiras (ganhar juros), a destruição de valor no mundo real é inevitável. 

A crise que começou em 2007/8 amainou, mas não foi debelada. A China tem sustentado o mundo, vendendo muito e comprando muito, mas cada vez menos, pois já construiu o país (investimentos em infraestrutura). Está, desde 2010, aterrizando lentamente, diminuindo o ritmo mundial. Em janeiro, o dólar valorizou-se, o índice industrial americano recuou e o consumo também. O alarme disparou. 

Pode ser que Soros e outros exagerem, mas que o capitalismo financeiro do século 21 enfrenta seus piores momentos é indubitável. São evidentes momentos de perplexidade e desencontros políticos, econômicos, éticos, religiosos e psicológicos. Vamos no centrar na Europa e sua pretensa cultura superior. Aliás, como pode ser superior uma cultura que nos últimos 200 anos foi colonialista, imperialista, fascista, nazista, comunista e envolveu o mundo em duas guerras mundiais e na matança industrial do holocausto? 

O jornal Charlie Hebdo, um pasquim satírico francês, extremamente pretensioso (e nada sutil pelo mau gosto e humor sujo), soltou outro dia uns quadrinhos fascistas, de extrema xenofobia (a Europa ocidental é hipócrita, explorou descaradamente o mundo e agora se diz portadora de “valores”). A charge desta vez mostra aquele garotinho sírio morto numa praia turca e pergunta: “O que ele seria se crescesse na Europa?”. E logo responde: “Molestador de mulheres”. Uma crueldade dessas é para rir ou chorar?

Há pouco mais de 200 anos, a Europa se deu ao direito de dominar outros povos na África, Ásia e América, e manteve essa situação por demasiado tempo. Agora, ante o fluxo inevitável de pessoas que perderam tudo, oriundas de países destruídos pelas guerras dos ocidentais ou em total desgoverno (casos da Líbia, Eritreia e Somália e, de certo modo, do Iraque, Síria e Afeganistão), a Europa ergue barreiras em nome de seus “valores”! Fica evidente que imperam, soberanos, os “desvalores” do egoísmo e da falta de compaixão.

Até que o duplo “U” seria um desejável castigo. Aprende-se pelo conhecimento e pela paixão, ou então pela dor!

Está na hora de reler o livro Kaput, de Curzio Malaparte, pelos relatórios dos horrores morais e materiais da 2ª Guerra Mundial, a mortificar a natureza, os animais e os seres humanos, apesar de os povos europeus causadores da guerra (que é a continuação da política pelo exercício da força e da violência) se proclamarem cultos, civilizados e sobretudo cristãos: católicos, ortodoxos, protestantes ou anglicanos. 

Portanto, são extremamente hipócritas as condenações indiscriminadas ao islamismo, sem distinguir grupos muçulmanos radicais. Os cristãos não só lutaram entre si por motivos religiosos mas principalmente por motivos econômicos e o farão novamente. 

O duplo mergulho ou duplo U, como uma era de baixo crescimento ou de conflitos e depressões econômicos e sociais, parece fenômeno incapaz de ser detidos pelo altruísmo dos povos ricos, “civilizados” e “cristãos” do planeta. 

Uma feia idade média em meio a tecnologias avançadas, racismos e xenofobia não é, de modo algum, uma previsão descolada, mas uma possibilidade bem real, e o cinema – a arte imita a vida – tem se dedicado a isso, com afinco, com uma espécie de instinto selvagem permanente, impregnando almas, tanto as dos produtores como as dos espectadores dos filmes. 

Mas como a história é mestra em ironias, a esperança no crescimento econômico e social da humanidade, tudo indica, vem da velha Ásia, de duas antiquíssimas civilizações, extremamente povoadas, uma mística e outra habilidosa, a China, em primeiro lugar, e depois dela a Índia, cujas raças e as culturas nasceram bem distintas da festejada Europa branca.

Mas é somente esperança. A Índia e a China não podem crescer indefinidamente, mesmo a 5% ao ano, ao passo que a Comunidade Europeia e EUA não podem mais comprar em quantidade seus produtos. Os tempos estão cada vez mais sombrios. E ainda estamos em 2016.

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