Sacha Calmon
Advogado, coordenador da especialização em direito tributário da Faculdades Milton Campos, ex-professor titular da UFMG e UFRJ.
Com pouco mais de dois milhões de votos à frente, Lula se sagrou presidente do Brasil. Todavia, vale a pena lembrar Zambelli e Jefferson, que expressam o bolsonarismo violento. Jefferson queria a presença de uma alta autoridade no local. O melhor cenário seria fazer um pronunciamento ao vivo, tentando mobilizar outros radicais, para subverter a ordem, sob a falsa bandeira da defesa da liberdade de expressão. Num passado não tão remoto, é bom lembrar, justificou-se um golpe com a alegação de que era preciso evitar uma ditadura de esquerda, sob Jango Goulart, um rico fazendeiro do Rio Grande do Sul.
Bolsonaro publicou uma nota na qual “repudiou” as falas do aliado contra a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, e sua ação armada contra agentes da PF , mas não explicou o que exatamente o ministro da Justiça iria fazer no Rio de janeiro. Deu a impressão de que havia uma operação de salvação de um amigo. O ministro da Justiça ficou em Juiz de Fora, a terra das farsas bolsonarianas.
Foi escalado um agente operacional para dialogar com Jefferson, seria melhor ter enviado um sênior e, o mais importante, que ele não se deixasse filmar. Afável com alguém que acabara de tentar praticar quatro homicídios, o agente da PF que falou com o ex-deputado foi gravado sorrindo e colocando-se à disposição de alguém chamado
depois pelo presidente de ‘bandido’. Era preciso alguém que, com a cara fechada, desse o ar de reprovação necessária à grave situação.
“Para um aliado”, a situação só não ficou pior porque acabou se decidindo, durante o trajeto, que o avião que levava o ministro ficasse em Juiz de Fora, na Zona da Mata mineira, e de lá Torres não sairia. Um motivo pode ter sido um trecho da decisão de Moraes, na qual ele determina à PF o cumprimento da ordem de prisão e proíbe qualquer entrevista de Jefferson antes, durante ou após a realização da missão: “A intervenção de qualquer autoridade em sentido contrário, para retardar ou deixar de praticar indevidamente o ato, será considerada delito de prevaricação”.
Líderes do Centrão não queriam que alguém do governo se deslocasse para o local da crise e a carregasse na volta dentro do bagageiro do avião oficial…
Lamentou-se, também, que nenhuma autoridade foi visitar no hospital os agentes feridos!
O Centrão tem seus defeitos, principalmente agora, com o orçamento secreto e a gastança geral, mas sabe fazer política.
Bolsonaro entregue aos filhos, ainda mais extremistas, tenderia a fazer tolices. O Centrão lhe deu assessoria competente, mas não suficiente.
Agora derrotado, Bolsonaro dá-se conta de que tentou, esperou, mas não conseguiu duas coisas: convencer as mulheres, que cheiram longe um sujeito misógino e labioso, e os jovens prevenidos.
Pior, ganha no Rio e em São Paulo, mas não dobra os desconfiados mineiros, e muito menos os decididos nordestinos, onde a política tem cheiro do povo.
Bolsonaro é o primeiro presidente a não se reeleger depois de Sarney, eleito pelo Congresso, para fazer a travessia da ditadura militar para a democracia. A classe média, seu bastião, está decepcionada com a derrota, mas tem que se conformar, pois ganhar e perder faz parte do jogo eleitoral. Pensaram que era brincadeira?
O povo é o arbitro supremo das eleições nas democracias maduras. É só ver o inconformismo da classe média a condenar o Nordeste, mas foi a Região Metropolitana de São Paulo e Minas que garantiram a vitória de Lula.
Assim sendo, é a hora de os eleitores de Bolsonaro perguntarem sobre si próprios e as crenças nutridas pelo ódio e o inconformismo ante a vitória incontestável de Lula (e seus milhões de votos…).
O discurso da corrupção não foi vitorioso, nem a suposta força dos evangélicos. Lula, preferido pelo povo, se afirmou justamente pelo respeito que a democracia lhe deu. Em 40 minutos, líderes como Xi, da China; Biden, dos EUA; Macron, da França; e Putin, da Rússia, se apressaram em lhe ofertar votos de parabéns pela vitória.
Até agora o bolsonarismo violento ficou claro pelas atitudes de seus correligionários, como Zambelli e Jefferson, de fora a negativa do derrotado de cumprimentar o vitorioso nas eleições, sem falar nos caminhoneiros, caso de cassação das carteiras de motorista.
Isso pouco importa. Aos derrotados, as batatas. Aos vencedores, os cargos eletivos e os poderes delegados pelo povo, como é predicado pelas grandes democracias.
Lula não tomou o poder pela força. É presidente de todos pela força dos votos válidos, exigido pela Lei Eleitoral.
Os festejos na Avenida Paulista, coração de São Paulo, são justos, pois demonstram o poder da democracia e da nossa imbatível Justiça Eleitoral.
Agora é a transição. Os atos de bondade de Bolsonaro, como o Auxílio Brasil, e o seu isolamento do cenário internacional deixaram o Tesouro em situação difícil. Para compensar, Lula tem apoio popular e cooperação de todos os governadores, mesmo os da oposição, respaldo internacional e, sobretudo, um Congresso aberto ao diálogo.
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