Sacha Calmon
Advogado, coordenador da especialização em direito tributário da Faculdades Milton Campos, ex-professor titular da UFMG e UFRJ.
Bolsonaro arruinou o aprendizado democrático do país iniciado por Tancredo Neves em 1985, sua última cartada na política nacional e possibilitou um governo democrático, ainda que sob um político longevo na vida pública, mas oriundo das hostes do regime militar, ou seja, José de Ribamar Sarney.
Outro dia o chefe do Executivo Federal disse, em alto e bom som, que se não houvesse voto impresso não haveria eleições em 2022, ao estilo dos antigos caudilhos. O Congresso não se intimidou e manteve a urna eletrônica. E assim será!
Vai haver eleição ou não? Como será o posicionamento do povo brasileiro, especialmente da elite econômica e política e da classe média, por mais medíocre e autoritária sejam alguns segmentos dela? Como é que um reles mandatário, que lá está por tempo certo (4 anos de mandato como prescreve a Constituição) tem o desplante de jogar na nossa cara que ele manda e desmanda e decide “moto próprio” se vai ter ou não ter eleições? É de se perguntar “sois rei?”
Um outro poder, incumbido de anular atos do Executivo e leis do Legislativo, por determinação da Constituição, tem necessariamente de conter esses arroubos e impor a prevalência da vontade constitucional. Entre nós, é o STF como determina a Constituição.
Além de arruinar o aprendizado democrático que se deu após o fim da ditadura militar de 21 anos (1964 a 1985), Bolsonaro, lado outro, nos prestou um favor, qual seja permitir que a classe média autoritária, golpista e nada democrática do Brasil, pela primeira vez, após a queda da ditadura militar, mostrasse a sua cara autoritária e antidemocrática abertamente. Agora já sabemos que 65% dela, por aí, não presta, é capacho de políticos com prendares ditatórias (e estão nas partes média e alta do estamento social sob comento).
Entretanto, o nosso país é complexo. Os partidos aqui estão longe dos dois grandes dos EEUU, imbricados secularmente nas correntes de opinião daquele país em momentos decisivos. Estão distantes, outro tanto, dos partidos da Europa Ocidental. Encontramos lá partidos trabalhistas, sociais-democráticos, conservadores, neodireitistas, socialistas, liberais e mais recentemente “verdes”, devido à importância que o meio ambiente vem assumindo no continente.
Não devemos perder de vista esses quadros retro broslados, por duas razões. A uma, tanto os EEUU quanto a Europa tendem a ver o Brasil como um “vilão ambiental” (não apenas na Amazônia, mas noutros biomas como a mata atlântica ou o que restou dela, o cerrado, a caatinga, e derrubada arbórea para fins comerciais). A duas, porque essa vilania ambiental, até mesmo exagerada, com constantes olhares de satélites e entidades de defesa do meio ambiente, tipo Greenpeace (que vigia inclusive rios e mares) condicionam, com intensidade, nossos interesses comerciais. Falo não apenas de acordos bilaterais, mas multilaterais das quais participamos como o projeto de acordo Mercosul-União europeia ora vetado pelos europeus (pelo menos durante até o fim do governo Bolsonaro, muito mal avaliado lá fora).
Recentemente o presidente da França, alguns líderes “verdes” da Europa e o próprio Joe Biden dos EEUU deixaram com claridade solar que não queriam saber de acordos com Bolsonaro ou, noutras palavras pelo seu viés de desmatador (independentemente de considerarmos certa ou errada essa visão externa), eles não querem nada com o Brasil. É de se concluir que o nosso presidente, além de não fazer um governo dinâmico, com obras, expansão econômica e tampouco de melhorias sociais, é visto externamente como uma pessoa “non grata”. Estamos, assim, no pior dos mundos. A China absorve 70% de nossas exportações: soja e outros cereais e produtos da agroindústria (o que inclui na pauta, além de minério, outros semielaborados).
Não faz nem um mês o presidente fez publicamente elogios à China, mostrando que saiu daquela posição de atacar o nosso principal parceiro comercial. As relações Brasil-China estão envolvendo acordos de cooperação em várias áreas (indústria de eletroeletrônica e de comunicações). As redes de telefonia brasileira, vg, têm equipamentos chineses da ordem de 70% a 80%. A privatização das Eletrobras não terá êxito sem a presença das empresas chinesas, sendo que pelo menos duas têm fábricas dentro do Brasil.
Qual é a esperança? A de que um presidente já caldeado pela experiência de governo e com a visão ampliada dos aspectos econômicos nacionais e internacionais atinja o ponto de equilíbrio. Diao Xiao Ping disse certa feita que não se importava com a cor do gato, “desde que ele comesse os ratos”. Sábio dizer. Nações têm amigos certamente, mas os interesses do país estão acima de todas as considerações.
Há tempo ainda, no campo interno e externo, para expandir nossos negócios com todos os países do mundo e governar com todas as correntes políticas em prol do povo brasileiro. Chega de assombrações!
Deixar-se tomar pela fantasmagoria do PT é infantilidade. A melhor campanha é um governo certo e dinâmico. A disputa eleitoral é inevitável. Está no calendário. E quem ganhar toma posse.
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