Geopolítica do século 21

O mapa do mundo está feito. Resta ao Brasil mover-se com inteligência. A política externa é de Estado, não de governos

Mais duas etapas do confronto Estados Unidos e União Europeia (EUA/UE) versus Eurásia ocorreram há menos de dois meses, desapercebidas dos olhares brasileiros. Não se tratam de conflitos ideológicos, como foi a guerra fria entre concepções sobre como organizar as forças produtivas (capitalismo x socialismo), mas de encarniçada luta por espaços soberanos, políticos e econômicos.

Uma das etapas foi a reunião do G20 opondo UE/EUA à Rússia e à China, sem apoio dos outros Brics (Brasil, Índia e África do Sul). A outra etapa deu-se semanas depois, com a assinatura de mais documentos econômicos, militares e estratégicos entre Rússia e China, países principais da chamada Eurásia.

Duas ideias, disseminadas pelas agências ocidentais de propaganda, procuram ganhar a opinião pública mundial: o mito do “expansionismo territorial” de um suposto “império russo” e o “autoritarismo antidemocrático” chinês e “suas ambições territoriais” no “mar da China e Sudeste asiático”.

Jamil Andelim, para o Financial Times, discorre sobre o engate eurasiano: “A delegação russa traçou um paralelo entre as demonstrações pró-democracia em Hong Kong e as chamadas ‘revoluções coloridas’ em ex-repúblicas soviéticas, como a Ucrânia, que China e Rússia sustentam ter sido instigadas pelos EUA e aliados. Anatoly Antonov, vice-ministro da Defesa russo, frisou: “Tomamos nota dos eventos que aconteceram recentemente em Hong Kong, nenhum país pode se sentir seguro contra as revoluções coloridas” (.) “Acreditamos que a Rússia e a China deveriam trabalhar juntas para se opor a esse novo desafio à segurança de nossos Estados.”

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A geopolítica do século 21 está dada. Resta ao Brasil mover-se com inteligência. A política externa é de Estado e não de governos. / Foto por Laura Diesel

China e Rússia comprometeram-se a fortalecer a cooperação militar bilateral e a promover exercícios navais conjuntos para conter a influência dos EUA na região da Ásia-Pacífico, em meio a um coro cada vez maior de vozes alertando para aproximação de uma “nova Guerra Fria”. Durante visita a Pequim, onde se encontrou com seu homólogo chinês e com o primeiro-ministro do país, Li Keqiang, o ministro da Defesa da Rússia, Serguei Shoigu, disse que os dois lados expressaram preocupação com as tentativas dos EUA de reforçar sua influência militar na região da Ásia-Pacífico e Europa Central”.

Após a extinção da União Soviética, a UE expandiu-se para o interior da Europa Central, retalhando a ex-Iugoslávia e incentivando ex-repúblicas soviéticas à rebelião, do Báltico ao Mar Negro, caso da Geórgia. O objetivo da expansão, em nome da “democracia”, foram novos mercados consumidores, mão de obra barata e fontes de matérias-primas a baixo custo, além de novos investimentos. Vários países ex-socialistas, entre outros, pela importância econômica, foram incluídos na UE, a saber: Repúblicas Bálticas, Polônia, República Checa, Eslováquia, Romênia, Hungria e Bulgária. A combalida Ucrânia está sendo usada para completar o cerco à Rússia, no Mar Negro, com o intuito de trazê-la para a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). A Rússia reagiu como um raio anexando a Crimeia, secular bastião da resistência cristã ao Império Otomano, à atual Turquia, único país muçulmano integrante da Otan, mas vetado para integrar a UE. Com isso, a Rússia fixou os limites da expansão ocidental na Eurásia europeia. Contudo, a UE deve — lógica elementar — garantir-se com o gás e o petróleo russos em troca de investimentos, gerando um continente forte. Questão de tempo.

Os EUA deslocaram o eixo de sua política para o Extremo Oriente, para opor-se à China, cuja economia superará a americana em 14 meses, seja lá qual for o padrão de medida dos respectivos PIB. Entretanto, se não precisam do petróleo do Oriente próximo, pelo crescimento da indústria do xisto betuminoso — sem nenhum cuidado com o meio ambiente — a irritação que causaram entre os maometanos foi tal que os grupos radicais extremistas crescem sem parar, a ponto de criarem califados na Ásia e na África, com generosos financiamentos dos ricos, nos países da Arábia.

Nesse palco a Rússia é também vítima do jihadismo sunita e tudo fará para garantir: a Síria, sob o controle alauita-xiita e cristão, seja ortodoxo ou romano; o Irã, inteiramente xiita; e a parcela xiita do Iraque, em caso deste tripartir-se entre curdos, sunitas e xiitas (o xiismo não é terrorista; só o sunismo). Portanto, a Rússia e a China fixaram os limites da expansão dos EUA/UEE na Europa e na Ásia, integrando cada vez mais a Eurásia (Rússia, Bielorrússia, Síria, Irã, Paquistão, repúblicas Turks, Mongólia e China).

A geopolítica do século 21 está dada. Resta ao Brasil mover-se com inteligência. Sob Dilma, o Itamaraty adormeceu. A política externa é de Estado e não de governos. No Hemisfério Norte, o bloco EUA/UE e o da Eurásia estão formados. Parece intuitiva a nossa vocação para unir sob democracias sólidas e bases capitalistas a América Latina e cultivarmos ativamente relações com os EUA, a UE, a Eurásia Sinorrussa, os Brics e os países muçulmanos, uma situação única e excepcional.

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