Devemos passar do protesto às ações em todos os sentidos, especialmente o jurídico e o político
Aeronáutica dos tempos de Aragarças e Jacareacanga, bases aéreas no coração da Amazônia, possibilitava que tenentes e coronéis cruzassem os céus do Brasil, a ameaçar a posse e o governo de Juscelino Kubitschek, eleito democraticamente. Foram oficiais das mais altas patentes que assinaram a Constituição outorgada da ditadura: um general do Exército, um almirante e um brigadeiro. Após a ditadura foram aos poucos refluindo para a profissionalização, assim permanecendo ao tempo de FHC. Com Lula, em troca de mais recursos, mas com o antagonismo do oficialato mais jovem, são serviçais da Presidência da República e do Congresso Nacional. Seus aviões estão à disposição, bem como os pilotos (malferidos) que não foram treinados para ficar à disposição dos maiorais da República principesca que temos no país.
Até que não me causa espanto o uso de aeronaves militares pelas autoridades constituídas. A uma, porque sai mais barato do que o Executivo e o Legislativo pagarem os voos à vista, em aviões comerciais e jatinhos (o que já ocorre e custa muito mais). Ademais, pelo fato de algumas autoridades merecerem ser resguardadas e protegidas. O que me irrita é o uso frívolo da máquina pública, inclusive aviões, pela corte brasílida. A oposição não goza desses mimos, ou como dizia Lacerda, não se utilizam das mordomias, prebendas e sinecuras que o poder propicia. Sinto, não nego, um clima de ancien régime às vésperas da Revolução Francesa, a envolver Brasília. Eles usam e abusam das coisas públicas, como os nobres de rei-sol, que literalmente perderam as cabeças no cadafalso e na guilhotina. Aqui não se vai matar ninguém fisicamente, apenas a vida política deles nas próximas eleições. As redes sociais já podem ir preparando suas guilhotinas de norte a sul, de leste a oeste. Destruí-los é preciso, protestar já não é preciso.
O Decreto 4.244, de 22/5/2002, regula o transporte aéreo no país de autoridades em aeronaves do Comando da Aeronáutica. O ministro da Defesa somente efetuará – a presidente tem seus aviões exclusivos – o transporte aéreo das seguintes autoridades: vice-presidente da República; presidentes do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal (STF); ministros de Estado (são 39), demais ocupantes de cargo público com prerrogativas de ministro de Estado; comandantes das Forças Armadas e chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, em aeronaves especificamente determinadas a esse fim (art. 1º). Um parágrafo único discricionário dispõe que o ministro de Estado da Defesa poderá autorizar o transporte aéreo de outras autoridades, nacionais e estrangeiras, podendo até delegar a função autorizativa ao comandante da Aeronáutica. O art. 2º, cioso, diz: “Sempre que possível, a aeronave deverá ser compartilhada por mais de uma das autoridades. Não se fala em pessoas que não sejam autoridades; amigos e parentes v.g.”. Há prioridades, segurança por e emergência médica; viagens a serviço e – vejam – deslocamento para o local onde situada residência permanente das indigitadas autoridades (art. 4º).
Na hipótese de várias requisições prevê o decreto preferências: por primeiro o vice-presidência da República, Presidência do Senado, da Câmara e do STF e órgãos essenciais da Presidência da República. O art. 4ºA, inserido no diploma posteriormente estabelece a alternativa a que nos referimos no início: “As autoridades de que trata o art. 1º, inciso III, poderão optar por transporte comercial (jatinhos?) nos deslocamentos previstos nos incisos I e III do art. 4º, ficando a cargo do respectivo órgão a despesa decorrente.” Ao cabo, o art. 5º dispõe que o desrespeito ao decreto configura infração administrativa grave, sujeitado o infrator às penalidades administrativas, civis e penais “aplicáveis à espécie”. Cabe então ação de improbidade, ressarcimento aos cofres públicos e ações populares. No limite, cassação de direitos políticos entre outras sanções “aplicáveis à espécie”, sob o fundamento constitucional do art. 37: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência” (grifos).
É tudo o que a nação quer, é tudo que a corte brasílida não pratica. Nem quer praticar, a menos que nós exijamos o cumprimento da Constituição, sua efetividade. Os protestos gigantescos cumpriram os papéis a que se propuseram. Aos poucos, os sindicatos e “órgãos da sociedade civil organizada” (MST, UNE e outras pragas) vão se adonando do movimento. A hora é decisiva. Devemos passar do protesto às ações em todos os sentidos, especialmente o jurídico e o político, caso contrário teremos atravessado o oceano e nos quedamos na margem oposta, exaustos, sem saber o que fazer.
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