O exame da ideologia de um partido não pode ser feito com modelos abstratos de validade universal. Deve partir de dados objetivos, históricos, culturais, religiosos e políticos. Veja-se o Partido Comunista do Brasil, satisfeitíssimo com a propriedade privada dos meios de produção e tênue visão de uma improvável sociedade socialista no país. Noutro extremo, o Partido Comunista chinês propugna por mais mercado e menos Estado e apoia a propriedade privada. Em que pese ser único, abriga contrárias opiniões internas (são como vários partidos num só).
No Brasil, em 2014, é adequado se falar genericamente em partidos de direita e de esquerda? Noutras palavras, o que significam “direita” e “esquerda” relativamente aos 32 partidos existentes no Brasil? Depois do Plano Real de FHC, que estabilizou o país, a luta política é marcada pela polarização entre o PT e o PSDB, ambos formados por pessoas que lutaram e se opuseram à ditadura militar que se seguiu ao golpe armado de 1964, apagando os quadros partidários até então existentes. O PT colocou-se mais à esquerda, ou seja, com tendências, além do sindicalismo pragmático (Lula), que iam do comunismo (José Dirceu e José Genoíno), passando pelo trotskismo (Tasso Genro), até o socialismo cristão, como entendido pelos bispos da CNBB, à moda dos democratas-cristãos da Europa.
O PSDB foi uma dissidência do PMDB, urbana, social-democrata de um lado e democrata-cristã de outro (Franco Montoro) – que se propunha a uma democracia voltada ao social, mas avessa ao sindicalismo dos pelegos do PTB e ao socialismo marxista.
Eram, dessarte, tendências à esquerda do centro formado pelos políticos tradicionais do país, egressos das maiores legendas nacionais: do Partido Social Democrático (PSD), da União Democrática Nacional (UDN) e do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), criaturas partidárias da época que se seguiu ao “getulismo” (Getúlio Vargas, a Revolução de 1930, o levante constitucionalista de 1932 e o “Estado novo” – ditatorial – dominaram a cena política brasileira por 15 anos).
Vargas voltou como presidente eleito (PTB) nos anos 1950, mas se matou. Seguiu-se Juscelino (PSD), democrata radical e realizador, no melhor estilo, ferreamente combatido pela UDN de Carlos Lacerda: “Juscelino não deve ser candidato. Se for, não deve disputar. Se eleito, não deve tomar posse. Se tomar posse, não deve governar”. Tomou posse e governou muito bem. Morreu pobre, sem apropriar-se do alheio, seu inventário comprova. Corrupto não era, pecha que lhe punha a oposição. Juscelino não foi a continuação de Vargas, mas o início de um Brasil democrático, abortado pela deposição do petebista Jango Goulart, vice-presidente contestado por ser gaúcho, getulista e cunhado do nacionalista Brizola, vice do renunciante Jânio Quadros, de triste memória (corrupto metido a moralista com sua ridícula vassoura e caspas artificiais no paletó, cuja renúncia desencadeou a crise que levaria, no seu desfecho, à ditadura militar de 1964).
Para aceitarem Jango, Tancredo Neves inventou um Parlamentarismo de fachada, não aceito pelos quartéis. Mas Jango recobrou os poderes presidenciais, encampou as reformas de base (agrária, bancária, sindical, urbana), e por causa delas foi deposto. E, assim, numa narrativa circular, voltamos ao golpe militar de 1964, 21 anos de generais-presidentes, às Diretas já, à eleição, ainda indireta, pelo parlamento tutelado pela caserna, de Tancredo Neves e, desgraçadamente, à sua trágica morte às vésperas da posse. Tomou seu lugar o vice-presidente José Sarney. Depois vem Collor, impedido pelo Senado, Itamar Franco que era seu vice (dois anos) e depois FHC, Lula e Dilma.
Ora, tanto o PSDB quanto o PT são partidos que surgiram na luta contra a ditadura. Eles tiveram que governar no chamado “presidencialismo de coalizão” (32 partidos), exigindo participações no governo. Se formos examinar bem, o PT é o PSDB sem charme. É pé no chão, dinheiro no bolso e muita demagogia sindicalista e popularesca, mistura de Jango e Jânio, mas quase com a mesma política econômica de FHC. Quase, por aumentar para se perpetuar no poder os programas sociais passivos, que são “mesadas”, jamais soluções (coronelismo de Estado), sem nada fazer pela educação, saúde e segurança pública. O programa Mais médicos é paliativo. Pioraram a política econômica com privatizações malfeitas, insegurança jurídica e improvisos desastrados (controle de preços na Petrobras e no sistema elétrico), sem falar na corrupção. O PT é de esquerda? Só se for da esquerda “caviar com caipirinha”.
Curiosamente, o Brasil é um país sem partidos de direita. Precisa urgentemente de um partido de centro. O PSDB deve adotar com vigor o liberalismo sob controle. Ele é que deu certo em todos os lugares. Até na China.
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