Os sistemas eleitorais e partidários são vários. Maurice Duverger tem sobre o assunto o melhor tratado.
São 780 páginas em que o conhecimento teórico alia-se à observação prática do que ocorreu com estes sistemas onde quer que tenham sido praticados. Nele me escudo para combater o voto distrital misto. No Brasil, que é um país federal, temos três níveis de representação legislativa: vereadores, nos municípios, deputados estaduais e deputados federais e senadores, no âmbito federal. O Congresso Nacional é bicameral. Os senadores representam a federação e são três por estado. Elegem-se os mais votados, em eleições a cada quatro anos. Concorrem a duas e uma vaga, alternadamente. Os vereadores, deputados estaduais e federais, elegem-se pelo voto proporcional, a cada quatro anos, por legenda ou coligação. O tal voto distrital misto, significa que metade dos legisladores deve ser eleita pelo voto proporcional (ganham os mais votados) e a outra metade pelo voto distrital. Na votação proporcional pura, somam-se os votos de legenda, de modo que, no fim, todas as correntes de opinião se fazem representar no município, no estado e na União (se adotarmos como sugeri o chamado distritão, na esteira do que defende Michel Temer, professor de direito constitucional e político, cuja biblioteca é uma das maiores e melhores do país). A propósito, há três semanas, escrevi, neste espaço, sobre a reforma política. O texto está no Blog do Sacha e nas páginas eletrônicas do EM, na internet.
Na votação distrital, os votos dos candidatos derrotados necessariamente viram pó. Suponham um distrito no Sul de Minas, congregando umas cinco cidades, de modo a alcançar 440 mil votantes (o tamanho do distrito mineiro seria provavelmente por aí). Imaginem que cinco partidos parelhos disputem a eleição no distrito. Os cinco candidatos são quase que igualmente votados só que um deles teve 22% dos votos e ganha as eleições. Todos os demais votos são anulados. O candidato desse partido vai representar o povo do distrito ou a minoria dessa população? Exige uma resposta.
A ideia de partido briga com a do voto distrital. A ideia aí é a de que o candidato seja um corretor dos interesses locais apartidários: tem que arranjar empregos, verba para a creche da paróquia, estradas vicinais et caterva, fazendo tábula rasa das correntes de opinião que acrisolam o Estado-membro e a nação. É, por assim dizer, uma ideia paroquial e retrógrada. O legislador é eleito para fazer leis segundo o programa partidário, votar o orçamento e fiscalizar o Executivo, o que já é muito. Morte ao voto distrital, o voto da ignorância dos grotões, da politização dos centros operários, do poder econômico, dos coronéis do interior, dos interesses miúdos,dos cabos eleitorais, dos capatazes locais, da desaglutinação da nação, transformando os eleitores em vendedores de votos. Será como hoje, só que pior, pela perda dos votos dos minoritários, que ficam sem representação, caso o voto distrital, seja proporcional. O Vale do Jequitinhonha seria um só distrito, com 18 cidades pequenas e diferentes com apenas dois deputados distritais, um federal e outro estadual. Insisto que é botar cerca no curral, cujos pastos eleitoreiros hoje são pelo menos abertos e alimentam igual e proporcionalmente os nossos representantes parlamentares.
No curral cercado, o voto será majoritário? A emenda será pior que o soneto. Para se apurar a maioria absoluta (51% dos votantes) será preciso fazer duas, três ou quatro eleições num mesmo distrito (escrutínios) dependendo do número de candidatos. E, quem vai pagar a farra? O voto proporcional puro sem quociente ou coligação prévia é, sem dúvida, melhor. O que importa é a qualidade do votante. Que haja educação para todos, e obrigatória, do primário à universidade, gratuitamente para as famílias de renda igual ou inferior a R$ 2 mil. Quanto aos ricos, que paguem para estudar.
Digo mais. Imagine uma região metropolitana tipo São Paulo, com 19 milhões de habitantes. Quantos distritos comportariam? Os legisladores eleitos a quem representariam? O Morumbi e algumas das 1.420 favelas paulistanas, que ficam ali perto? Imaginem agora o estado do Amazonas: 90% da sua população vive em Manaus. Como iremos dividir o estado em distritos? Voto distrital puro (Inglaterra) ou misto (Alemanha), no Brasil, não funciona. Seria o divérbio entre o saber e a utopia ou a imposição do não coetâneo. As situações nacionais e estrangeiras variam política, cultural e geograficamente. Institutos existem que não podem ser transplantados. Nossos antepassados lusitanos sabiam disso: “Cada roca com seu fuso, cada povo com o seu uso”.
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