O Senado não é órgão jurisdicional, mas de outro poder, investido pela Constituição no dever de julgar a presidente por crime de responsabilidade, já autorizado por dois terços da Câmara
Longe dos seus pagos no pampa uruguaio, Mujica Pança, ex-presidente tipo Feola (que dormia enquanto nossa Seleção jogava), com áreas de sábio de almanaque, falou em Ouro Preto que a crise no Brasil é do “capitalismo”, que é assim mesmo, “a companheira Dilma leva a culpa, mas a culpa é do capitalismo”.
Sancho Pança era um sujeito gorducho e simplório, o fiel escudeiro de dom Quixote de La Mancha, o cavaleiro andante que combatia a maldade investindo contra moinhos de vento, como se fossem monstros do mal. Falava castelhano, é claro, como Mujica, e ambos são, como já dito, pançudos e simplórios.
Dom Mujica Pança, v.g., com as suas teorias comunistas clássicas, onde a virtude assemelha-se à pobreza em que vive, não consegue explicar por que o Brasil, de fora a Venezuela das “casinhas” sem papel higiênico, decaiu do 2º para o 5º lugar na atração de investimentos externos em 2015. Em dólares, a Índia – confusa e dividida em castas – atraiu 63 bilhões. A China, que já é uma economia pujante, a segunda maior do mundo, puxou 56,6 bi; a Indonésia, 38,5 bi; o México, 24,3 e o Brasil, apenas 17,3 bi. Não me consta que outro país capitalista, exceto a Venezuela e o Equador, tenham tido recessão com perda de 9% do PIB entre 2014 e 2016.
Miguel de Saavedra Cervantes e Shakespeare estão sendo comemorados conjuntamente em 2016 como gênios do teatro e da literatura mundiais.
O inglês deu vida aos teatrinhos a céu aberto da era elisabetana em que viveu, superando peças grosseiras e bufas. Trouxe para o palco, como Tolstoi para os livros (ele, como Balzac e dezenas de outros), as grandes e humanas paixões: o ódio, o amor, o humor, o remorso, a perfídia, a ambição, o arrependimento e o poder. O espanhol tem vários ensaios, mas sua obra-prima é mesmo Dom Quixote de La Mancha, de suposta nobreza, misto de santo e guerreiro do bem, como os “templários” de São Bernardo (o fazedor de papas) que, desde a Borgonha, povoou a mente do povaréu religioso daqueles tempos com os feitos dos grandes cavaleiros, destemidos na guerra e corteses no amor (o amor casto e, portanto, prosaico).
Cervantes, com fina ironia e contido sarcasmo, num romance fantástico, para não atrair a mão pesada armada ou benta dos poderosos, arrasou com a mítica ideologia dos “cavaleiros medievais”, campeões da fé, do amor cortês e das guerras santas contra os infiéis maometanos.
Sancho Pança, vimos de ver, era um idiota com laivos de sabedoria. Ele é aqui o Mujica Pança. Mas a quem defende? A nossa quixotesca ex-presidente, nem tão cortês mas intimorata, nos arrasou a economia, sem o menor temor do que lhe poderia acontecer de volta, tão certa estava da lenda urbana de ser a democracia só eleição. Uma vez eleita, como o cavaleiro do medievo, pode-se fazer ou desfazer cidade e nação, sem consequência alguma. Deu-se mal. Somos muitos Cervantes descrentes de “lendas” e atentos aos desmazelos de V. Exa. Vamos apeá-la do poder.
Pois bem, Ouro Preto estava cheia de gente para ver os homenageados com a Medalha Tiradentes, supremo galardão, no dia 21 de abril, feriado nacional. Lá estava o Mujica Pança com sua fala delirante: “O Brasil se encontra hoje no ponto mais baixo da crise do próprio capitalismo. Esse é um problema do sistema, mas, quando há dor na sociedade, precisam encontrar em quem colocar a culpa”. E acrescentou: “Se Cristo estivesse aí, tampouco ele poderia arrumar [essa situação] porque é um problema do sistema”. Questionado se vê que o processo de impeachment é um golpe com verniz legal, como tem insistido Dilma, Mujica não quis se comprometer muito. “Há um ditado popular no Uruguai que diz: não acredito em bruxas, mas que elas existem, existem”, disse o ex-presidente, acrescentando que não gosta da ideia de que “corrijam o voto do povo”. E mais: “A direita pode pensar que, magicamente, ao tirar Dilma, consertará a crise. Não pode. Pode-se consertar a crise em um país sem conciliar o capital com o trabalho? Não, não pode”, disse o ex-presidente.
Que história é essa de conciliar o capital e o trabalho? Que direita é essa? É ou não é um idiota? A vida imita a arte. Mas o dom Quixote desse conto é o ex-ministro da Justiça, o Dr. Cardozo. Investe com sua armadura de lata velha contra o Senado Federal e vaticina: “O processo de impeachment será anulado no STF”. Certamente, está vendo moinhos de vento no horizonte.
O Senado não é órgão jurisdicional, mas de outro poder, investido pela Constituição no dever de julgar a presidente por crime de responsabilidade, já autorizado por dois terços da Câmara. Ele é que decidirá soberanamente se houve ou não dito crime. O processo nem se iniciou e o Cardozo Pança – que Quixote nada – diz que o mesmo é nulo e será anulado. D. Quixote fez escola na Espanha e no Brasil.
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