A guerra psicológica em tempos de guerra ou paz tem sido uma constante na história da humanidade, ainda tão involuída. As declarações, comunicados, notícias e editoriais procuram ganhar os corações e as mentes tanto dos interessados quanto dos circunstantes, como é o nosso caso nesse conflito entre ucranianos favoráveis e contrários a uma maior aproximação econômica com o Ocidente. Se eu fosse ucraniano, gostaria de estar entrosado tanto com a Rússia quanto com a Europa Ocidental, sopesando as vantagens e desvantagens, em vez de tornar o meu país massa de manobra de terceiros interessados em objetivos estranhos ao interesse nacional. No caso, aproveitando-se da indignação contra a corrupção, os EUA cresceram os olhos sobre as bases militares russas na Crimeia.
Essa vantagem desejada pela organização militar do Atlântico Norte (Otan), da qual faz parte a Turquia islâmica, esvaiu-se. Como disse o biógrafo francês de Vladimir Putin, ele é um político com instinto de gato. Se imprensado contra a parede, salta e aparece às suas costas. Foi o que ocorreu na Crimeia. Em exatos 17 dias fez-se um referendum popular. Compareceu 84% da população votante e 92% se disseram favoráveis a uma integração com a república federativa russa. Se considerarmos que apenas 62% da massa votante era russa, tem-se que ucranianos e tártaros também votaram a favor do não a uma Ucrânia dominada pelo partido direitista e golpista Svoboda e o “Setor da Direita”, neonazista.
Pelo voto espontâneo, democrático e esmagador, a joia da coroa desejada pela Otan passou democraticamente a ser da Rússia, em vez de ser uma península militar estratégica à sua disposição. Fazer o quê? Putin deu, de fato, o que nós chamamos de “o pulo do gato”. Voltou-se contra seus agressores com a arma mais cara a eles: o voto popular direto e secreto. No mais, o choro fez-se livre e copioso: “Ah! A Ucrânia estava ocupada”. Por quem? 12 mil soldados russos – por força de tratado – sempre lá estiveram. Ah! O referendo fere a Constituição ucraniana. Ora, derrubado pela força – mesmo sendo corrupto – foi o presidente eleito em clara violação da Constituição. Sem legitimidade democrática é justamente o governo provisório direitista atual apoiado pelo Ocidente, que agora tem nas mãos a batata mais quente da Europa: uma Ucrânia falida, desorganizada, pobre e dividida.
Por que o Ocidente não topa, sob a fiscalização da ONU, novo referendo no Leste ucraniano? Não foi ele que firmou a jurisprudência de que no século 21 é a vontade do povo, sua autodeterminação, que fixa novas fronteiras? Quem não se lembra do enfático apoio à separação do pequeno Kosovo da Sérvia? O Ocidente não aceitou entusiasticamente a transformação da Iugoslávia em seis nações? Por que o Ocidente não protesta contra a continuada ocupação da Palestina por Israel e a construção progressiva de assentamentos judaicos em terra alheia, em clara violação a dezenas de resoluções da ONU e ao Tratado de Genebra?
São dois pesos, duas medidas. Espanta como nos deixamos enganar pelas agências noticiosas e cronistas influenciados pela CIA. Falta-nos discernimento. Aliás, se o tivéssemos não teríamos o governo e o Legislativo que temos. O mesmo não ocorre com os alemães. 62% da população não engole que seja a Rússia a causa da instabilidade na Ucrânia e não quer seu país envolvido pelos EUA. Pesa aí, é claro, o nível cultural da população e sua experiência histórica com o Leste Europeu, coisa que a costumeira grossura diplomática dos EUA nem sequer considera.
Estão imprensando novamente Putin contra a parede. Ele grita diariamente por uma comissão europeia na Ucrânia, antes que o governo ucraniano comece a prender e a matar as populações do Leste separatista. Putin quer uma República Federal, com maior autonomia dos estados-membros. Os EUA querem sangue (não o seu…). Foi sempre assim, desde a tomada do Texas, Novo México, Arizona, Califórnia etc., ao México. Inventaram motivos e mortes. “Pobrecito México tan lejos de Dios e tan cercano de los Estados Unidos”, diria o historiador mais tarde.
A reunião entre os EUA, CEE, Rússia e o governo ilegítimo, golpista e provisório da Ucrânia já ocorreu. Querem que a Rússia controle o Leste separatista. Ora, quem deve controlar os cães de guerra é a própria Ucrânia. Os russos que lá vivem estão à mercê deles em território que não dominam! Precisamente por isso tomam prédios públicos e fazem barricadas, como fizeram os partidários do atual governo da Ucrânia contra o que foi deposto. Em verdade, as províncias rebeldes deveriam ser chamadas à mesa de negociações para assumir seus compromissos. Chamá-los de terroristas é maquiavélico. O chanceler Lavrov, da Rússia, pediu que uma delegação da ONU se fizesse presente ante os separatistas do Leste. Os EUA rejeitaram para não lhes reconhecer representatividade. Assim, não é justo responsabilizar a Rússia por atos de pessoas fora de sua jurisdição nacional. É de se meditar.
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