As normas, cuja função é ordenar o social, são viabilizadas pela linguagem, e, por isso, é lícito dizer que são uma função da linguagem ou que existem em razão dela
Para começar, o direito é feito de palavras: as palavras da lei, as palavras da sentença, legisladores, juristas e juízes fazem o direito. Se o direito é feito de palavras e se o Direito é o objeto do cientista do direito (o que faz a ciência do dDireito), então poderemos chamar a linguagem do direito de a linguagem do objeto.
A linguagem humana, utilizamo-la para vários fins. Muito frequentemente a usamos para transmitir informações a respeito do mundo por meio de orações cuja função é descrever um estado de coisas. Trata-se de um uso informativo (as proposições descritivas podem ser verdadeiras ou falsas). A linguagem, porém, como assinalado, comporta outros usos. Podemos, com ela, expressar emoções ou provocá-las (uso expressivo), ou buscar informações (uso interrogativo). Em dados momentos, o uso da linguagem se confunde com a própria ação. Quando, por exemplo, alguém diz “juro dizer a verdade” ou “batizo-te com o nome de João”, essa pessoa está realizando as ações de jurar e batizar (uso operativo, realizativo). Entre os usos da linguagem, o que mais interessa ao jurista é o diretivo. Ocorre quando a linguagem é utilizada para influir no comportamento de outrem, induzindo-o a adotar determinados comportamentos intencionalmente prescritos.
Como uso diretivo, ações linguísticas podem ocorrer: suplicar, sugerir, pedir, indicar, ordenar, impor etc. A oração “não faça isso” tanto pode expressar uma súplica quanto uma ordem. Importa, pois, assinalar os traços comuns que apresentam os diversos casos do uso diretivo da linguagem. As orações diretivas, como dito, são formuladas com a intenção de influir no comportamento alheio, pouco importando que, para isso, se lhes agregue um prêmio ou um castigo, ou sejam postas com imperatividade ou tom de súplica.
Distinguem-se das orações descritivas — asserções — e de outros tipos de orações porque, a seu respeito, não faz sentido predicar verdade ou falsidade. De uma diretiva, pode-se dizer que é justa ou não, conveniente ou inconveniente, eficaz ou ineficaz, nunca que é falsa ou verdadeira. Isso porque os atributos de verdade ou falsidade implicam cotejar a asserção sobre um fato com o fato mesmo. As orações diretivas, não estando destinadas a dar informações sobre a realidade, descomportam juízos de verdade.
Que uma expressão diretiva seja tal independe de estar vazada com o verbo no imperativo. Isso pode ocorrer e ocorre, com frequência, mas não é necessário. Pode-se, por outro lado, expressar uma oração diretiva pela utilização dos chamados modais deônticos: “obrigatório”, “permitido”, “proibido”. Sem embargo, a inexistência de tais palavras não retira da oração diretiva esse caráter. A utilização dos operadores deônticos não é condição suficiente e necessária à diretividade.
Ordenando ou rogando, prometendo recompensa ou punição, o uso diretivo da linguagem está voltado para o outro. Destaquemos, contudo, as ordens, porque, entre as diretivas, as que mais se relacionam com as normas são elas. As orações diretivas que expressam mandados ou ordens são, frequentemente e generalizadamente, chamadas de prescrições e se caracterizam pela superioridade do emissor em relação ao destinatário: superioridade moral, bélica, física ou jurídica. É o caso do assaltante em relação ao assaltado: “A bolsa ou a vida”, ou do delegado em face do seu subordinado: “Recolha o preso ao xadrez”. Há que se observar, no entanto, que uma coisa é a oração prescritiva, e outra, bem diversa, a norma.
O assaltante que nos ordena a entrega do dinheiro à mão armada utiliza uma oração prescritiva para dar uma ordem, jamais uma norma. Esta se nos apresenta à razão como um modo institucionalizado de dirigir comportamentos. A norma não deixa de ser norma pelo simples fato de ser desrespeitada. Ela é, preexiste e sobre-existe à ação que preconiza. É um ser que se quer permanente como instrumento de regulação da conduta humana garantido por uma estrutura de poder (Estado). As normas não se confundem com as expressões linguísticas que as veiculam. É que, como entes lógicos, possuem vida autônoma. Ocorre, tão somente, que as normas são expressadas pelas formulações linguísticas, através das quais é possível a comunicação entre os homens, estes protagonistas do enredo social.
As normas, cuja função é ordenar o social, são viabilizadas pela linguagem, e, por isso, é lícito dizer que são uma função da linguagem ou que existem em razão dela. Com efeito, as formulações linguísticas contêm a intencionalidade deôntica do agente prescritor. Uma norma pode resultar de uma formulação linguística ou de várias devidamente conjugadas, como se terá oportunidade de constatar. Aliás, as ordens também são postas por meio da linguagem, embora não se confundam. A linguagem é o veículo através do qual as ordens são dadas e as normas são instituídas. Apenas isto.
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