Os Estados Unidos se meteram no Afeganistão e não ganharam nada. Desorganizaram ali o mundo e agora se vão. Foi um fracasso de milhões dólares.
Sacha Calmon
Lendo o Courrier International (13 a 20 julho/11), pude aquilatar e solidarizar-me com o povo afegão, pelo muito que significou a presença da coalizão ocidental, sob o comando americano, naquele milenar país. Tirante a matança de civis por engano ou displicência, ou medo, a provocar ações precipitadas, as mulheres passaram a frequentar escolas, a andar sem burca e a namorar em público. Estabeleceram-se instituições democráticas, em que pesem a corrupção do governo Karzai e o cartel da heroína. Eles, embora cúmplices, detestam os talibãs. Houve penetração de costumes ocidentais e a internet fez bem o seu serviço. Dez anos de ocupação transformaram Cabul, uma cidade que caiu com 400 mil habitantes, numa metrópole animada de 4,5 milhões de habitantes, bem protegidos. A construção civil, o comércio e os serviços tiveram avanços impensáveis com a ocupação.
Nada explica a estupidez de Bush e dos falcões republicanos, truculentos desde sempre. Após o atentado de 11 de setembro de 2001, Bush enviou forças americanas ao país afegão sob o pretexto de combater o terrorismo e capturar Bin Laden. Bush irritou-se com o Talibã – que os Estados Unidos treinaram para lutar contra a União Soviética, ao tempo da Guerra Fria – porque se negaram a entregá-lo de “mão beijada”. A Al-Qaeda queria a Jihad (a guerra santa contra os infiéis, como as antigas Cruzadas), e o Talibã – antigo aliado dos americanos – o poder político em seu país. Há 10 anos lá estão os americanos.
Não venceram o Talibã nem pegaram Bin Laden no Afeganistão. Agora, os americanos e demais ocidentais vão sair do país e entregá-lo à própria sorte. A uma, porque há a desculpa de que Bin Laden está morto. A duas, porque os Estados Unidos estão economicamente esgotados, a pagar grupos mercenários e empresas de serviços terceirizados numa guerra sem sentido. O que sentirão os soldados americanos e suas famílias quando estiverem a sair do país? Eles sentirão o doce sabor da vitória ou o amargo gosto da derrota? A sensação do dever cumprido ou de que a ninguém venceram e não serviram para nada? O que estará sentindo – contadas as vidas perdidas de seus soldados – o povo americano, a essa altura, em que seu governo negocia sua dívida e de quebra trata abertamente com o Talibã o futuro do Afeganistão?
Por acaso não foram convencidos por propaganda massiva ao agitar de bandeiras americanas, que o Afeganistão fazia parte do “império do mal”? Se os Estados Unidos agora aceitam negociar com eles, é inescondível que lhes reconhece força e legitimidade, até para voltar ao poder no futuro. Terá valido a pena empurrar um milhão de pachtuns (mulheres, idosos e crianças) no Vale do Swat – em busca de Bin Laden – para bem longe de seus lares e propriedades? Pode-se fazer isso impunemente e depois retirar-se sem indenização?
Para o povo afegão, entretanto, especialmente para as mulheres, a volta ao poder dos talibãs será a maior das derrotas depois de 10 anos de conflito e confusão. Mas, de algum modo, ares modernizantes e evidentes avanços na área econômica nos territórios livres do domínio talibã ocorreram. Essa é a melhor parte de uma história suja.
É irrecusável que Obama, ao retirar os americanos da ratoeira afegã, um país jamais conquistado sequer por Filipe da Macedônia, encerrará essa aventura irresponsável de Bush, a confundir um movimento islâmico, em particular brutal e fanático, e um homem (Bin Laden) com um povo inteiro. “Mutatis mutandi”, a Itália – se poder suficiente tivesse – invadiria o Brasil para capturar Battisti.
Os Estados Unidos se meteram no Afeganistão por ser imperial e não ganharam nada. Desorganizaram ali o mundo e agora se vão. No Iraque deu-se o mesmo, a partir de uma mentira deslavada sobre a existência de armas de destruição em massa. Foi assim que tomaram no passado a península florida da Espanha e meio México dos mexicanos, sob pretextos falsos. A diferença entre a invasão do Afeganistão e a do Iraque é que neste último fincaram bases militares e dominam poços de petróleo. O comum entre as duas invasões está no despropósito dos motivos – havia alternativas mais eficazes –, tanto que o assassínio de Bin Laden se fez depois de ações especiais de inteligência. A invasão do Afeganistão, por esse ângulo, foi um fracasso de milhões de dólares, trouxe destruições sem conta e uma semente de progresso e democracia. É essa semente que os Estados Unidos estão deixando exposta aos azares do tempo nos desvãos da história, enquanto eles próprios começam a compreender não serem mais os senhores de um mundo, que muda tão rápido a ponto de dar vertigens.
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