Delegação de competência ao Poder Executivo de matéria reservada à lei

Não há país no mundo que contenha na Constituição tantos princípios e repartições de competências tributárias, além de imunidades, como ocorre no Brasil

Sacha Calmon
Advogado, coordenador da especialização em direito tributário da Faculdades Milton Campos, ex-professor titular da UFMG e UFRJ

Dou meu assentimento ao estudo da Fiesp nos próprios termos em que foram vazados, como a seguir. Vejamos a legislação.

Artigo 163 da CF – Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado ao Estado: (…)

Parágrafo 6° – Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderão ser concedidos mediante lei estadual específica, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no artigo 155, parágrafo 2°, XII, g, da Constituição Federal.

Ora, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.929, o Supremo Tribunal Federal confirmou o entendimento de que, quanto ao ICMS, o parágrafo 6º do artigo 150 da Constituição Federal, reiterado nesse parágrafo 6º do artigo 163, da CE, exige a edição de lei específica para a concessão de incentivos fiscais, sendo que o artigo 155, parágrafo 2º, XII, g, da Lei Maior exige um pressuposto adicional, que é a deliberação autorizativa dos estados (atualmente, na forma da Lei Complementar 24/75). Os seguintes trechos da ADI 5.929 são decisivos. Vejamos agora a jurisprudência.

“Ementa concessão incentivo fiscal de ICMS. Natureza autorizativa do convênio Confaz. 1. Princípio da legalidade específica em matéria tributária. 2. Transparência fiscal e fiscalização financeira-orçamentária.

1. O poder de isentar submete-se às idênticas balizar do poder de tributar com destaque para o princípio da legalidade tributária que a partir da EC 3/1993 adquiriu destaque ao prever lei específica para veiculação de quaisquer desonerações tributárias (artigo150, parágrafo 6º, in fine).

2. Os convênios Confaz têm natureza meramente autorizativa ao que imprescindível a submissão do ato normativo que veicule quaisquer benefícios e incentivos fiscais à apreciação da Casa Legislativa.

3. A exigência de submissão do convênio à Câmara Legislativa do Distrito Federal evidencia observância não apenas ao princípio da legalidade tributária, quando é exigida lei específica, mas também à transparência fiscal, que, por sua vez, é pressuposto para o exercício de controle fiscal-orçamentário dos incentivos fiscais de ICMS.

4. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente. (Órgão julgador. Tribunal Pleno- Relator (a): Min. Edson Fachin – Julgamento: 14/2/2020 – Publicação: 6/3/2020).

Vejamos agora os dizeres do voto do relator, as suas razões de decidir, pois todo juiz é obrigado a fundamentar a decisão.

VOTO – “Nessa perspectiva, convênios, isoladamente, não concedem isenção de ICMS, mas sim atuam como um pressuposto para que a concessão aconteça. A edição de incentivos fiscais de ICMS constitui, então, um ato normativo complexo, demandando a integração de órgãos dos poderes Executivo e Legislativo. Dessa forma, pode-se adotar a interpretação segundo a qual a concessão de benefícios de ICMS não dispensa lei específica. (…)

Sendo assim, compreendo que é o Poder Legislativo que realiza a concessão de benefícios, incentivos e isenções de ICMS, e não convênios. Estes, necessários para que não haja uma “guerra fiscal”, são apenas pressupostos para a concessão, já que esta se dá apenas com a atuação do Poder Legislativo.

Relativizar o Princípio da Reserva Legal tributária, transformando o ICMS em um tributo semelhante ao IPI ou ao IOF, cujas alíquotas variam ao sabor de normas do Poder Executivo, como previsto pela Constituição Federal, é juridicamente impossível.

Não se pode flexibilizar direitos fundamentais, em especial direitos fundamentais dos contribuintes, que pagam como consumidores o ICMS.

Tem-se, ainda, que não é possível lei complementar ser alterada por lei ordinária. A lei complementar exige metade mais um dos membros do Congresso bicameral do Brasil (quórum classificado).

Não há país no mundo que contenha na Constituição tantos princípios e repartições de competências tributárias, além de imunidades, como ocorre no Brasil.

Ademais, com “status” de lei complementar, temos o Código Tributário aplicável à União, estados e municípios, a conceber uma organicidade sem par para a aplicação das leis tributárias. O mal-estar ocorre no processo da aplicação da lei aos casos concretos pelos entes políticos do nosso Estado federal, que traz uma configuração única no mundo. A federação de Estados ou os chamados Estados Federais apresentam uma estrutura dual. O poder central ou da “União” propriamente dita e os poderes dos estados-membros ou das “partes” do Estado Federal. O nosso federalismo é triádico. Os municípios participam do pacto constitucional de variados modos. No caso da tributação, têm poder, legislação e execução sobre seus tributos.

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