A aventura catalã é tola e vaidosa, non sense, uma bobagem, que lhe seria negativa em quase tudo, menos em fazer resplandecer um duvidoso “orgulho nacional”.
Sou a favor da liberdade do Curdistão e contra a do país catalão. Eles merecem esse status, como veremos. Há um humano sonho ecumênico pouco visível, mas cada vez maior, o sonho de vermos todos os humanos juntos e controlando os nossos governantes, embora Hobbes, com o seu Estado-Leviatã, grande e poderoso a nos controlar, seja uma ameaça de dar pesadelos. E Orwell previra para o século 20 o Grande Irmão, o Estado tentacular que não se materializou.
Os nacionalismos filhos do regionalismo e netos do tribalismo se me apresentam igualmente ameaçadores, por isso que separam negativamente a humanidade, criando inimizades indesejáveis (são reminiscências do século 19). Nações multiétnicas e pluriculturais são desejáveis e empurram a humanidade para o convívio igualitário, a paz e a harmonia, superando as diferenças sociais, de cor, de origem, religiosas e de gênero. Universalismo e humanismo são as metas desejáveis. Várias religiões, entre elas o cristianismo, se referem à “parúsia”, quando o lobo viverá com os cordeiros…
Agora falemos dos curdos. Eles são, com algumas miscigenações, com os antigos hurritas e hititas, um grupo ariano e descendem diretamente dos medos. Lembremo-nos das aulas de história geral. Houve o império medo-persa, antes e depois de Ciro, 400 anos antes de Cristo, aquele que, na Bíblia, se casou, entre outras, com Ester (judia). São povos irmãos, de raça branca, os iranianos e os curdos. Não são turcos cuja origem e língua foram asiáticas, nem semitas (árabes e judeus), cujas línguas são africanas do norte.
Os medos sempre viveram nas montanhas altas da região, existentes até hoje, em quatro países: Turquia, Síria, Iraque e Irã. Durante a União Soviética, uns tantos curdos nela viveram, em região autônoma chamada Curdistão. Existem há mais de cinco mil anos e conservam costumes e religiões ligados ao antigo zoroastrismo ou simbióticas (Islã, cristianismo, zoroastrismo, yazidismo).
O exército (pershimega) é autônomo, belicoso e eficiente. Embora esses núcleos curdos estejam submetidos à jurisdição de quatro países, é essa cultura comum que os caracteriza como o maior povo do mundo (32 milhões) “sem pátria”. O grupo maior vive na Turquia e busca liberdade (há até um partido, o PKK). A menor população curda está no Irã, com alguns problemas. No norte da Síria está o país curdo mais coeso e militarmente forte, e no Iraque também. O norte do país é inteiramente curdo (Kirkuk é importante região petrolífera).
Os pershimegas foram as únicas forças terrestres que lutaram no terreno contra o Estado Islâmico, empurrando-o para o sul. Somente depois disso os sírios e os iraquianos os atacaram com a ajuda dos bombardeios dos EUA (pró-Iraque) e da Rússia (pro Síria). Os russos estabeleceram uma linha além da qual terroristas e forças árabes sunitas não passam. Essa linha compreende o Iraque, a Turquia, a Síria e o Irã, bem como os países curdos, em todos eles.
A Rússia, eslava e cristã-ortodoxa, desde 400 anos a.C. resistiu sem cessar a expansão islâmica da Turquia Otomana. Embora ao sul dos estepes, as antigas regiões do Cazaquistão, Uzbequistão e outros professem o judaísmo e o islamismo, a separação entre o Estado e a religião prevalece e o terrorismo foi banido das suas mesquitas. O lugar problemático para a Rússia do século 21 é pequeno e está sob controle: a Chechênia tártara. Moscou é a cidade mais branca do mundo e lá não se vê burcas, nem chador, nem muçulmanos.
Os curdos pelo passado e coesão em quatro milênios merecem ser um país. Os catalães são iguais em tudo aos espanhóis. Castela e Aragão viveram 800 anos juntos. O divérbio maior foi na guerra civil espanhola. A Catalunha sofreu muito, mas toda a Espanha republicana, também.
A língua catalã não é razão suficiente, nem a basca ou a galega, para explodir a Espanha, um país com pelo menos dois milênios. Fora da Espanha, a Catalunha fica menor em população que Portugal (11 milhões), contra nove milhões de catalães e uma economia menor que a lusitana. Os maiores bancos são basco-espanhóis (Santander e Bilbao-Vizcaya), tanto que os próprios bancos catalães já estão mudando suas sedes para Madrid, como outros setores econômicos. A economia catalã é um quinto do país de que sempre fez parte. Mas há outras regiões: a Galícia, o país Andalú ou Andaluzia, a Estremadura, o país basco, o país valenciano. E daí?
O mercado espanhol é maior e faz parte da União Europeia, com 500 milhões de pessoas. A aventura catalã é tola e vaidosa, non sense, uma bobagem, que lhe seria negativa em quase tudo, menos em fazer resplandecer um duvidoso “orgulho nacional”. Não façam isso com a minha querida Barcelona, Gaudí, Picasso, Miró e muitos outros. São admirados em todos os cantos do mundo. Isso é o que importa. Ser catalão é apenas ser catalão. Melhor mesmo é ser cidadão do mundo.
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