Todo agente de poder e funcionários das carreiras de Estado deveriam estar sob constante investigação, sem direito aos sigilos telefônico, de dados e bancário.
Segundo o meu amigo e professor de direito da UFMG Onofre Batista, “as entidades de classe da magistratura deveriam erguer uma estátua ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A varredura financeira da vida de 216.800 juízes, servidores e parentes encontrou apenas 3.438 movimentações suspeitas, apenas 1,6% do universo investigado”. Imaginem, disse Bianor ao meu lado, se houvesse conselhos nacionais do Legislativo ou do Executivo. Qual seria o percentual de movimentações suspeitas? Qual a razão para a indignação dos órgãos de classe? O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) é constantemente acionado pelas procuradorias e Polícia Federal para investigar a vida de particulares, às vezes sem um processo subjacente a evidenciar eloquentes indícios de conduta criminal, e os juízes, não todos evidentemente, acedem em autorizar as escutas e o acesso a bancos de dados. Muita vez é da arapongagem que nascem os inquéritos.
Do meu ponto de vista todo agente de poder e funcionários das carreiras de Estado (Forças Armadas, procuradorias, ministros, secretários, polícias, magistério, magistratura, diplomatas, legisladores e detentores de cargos de confiança etc.), por isso que são possuidores de grandes poderes a que estamos todos submetidos, deveriam estar sob constante investigação, sem direito aos sigilos telefônico, de dados e bancário. Os homens públicos pertencem ao distinto público que responde pelo nome de povo.
O corporativismo tem sido uma praga neste país. Não me refiro apenas às entidades representativas do Poder Judiciário e do Ministério Público. O mesmo há que se dizer dos sindicatos e, com muita ênfase, dos conselhos das profissões regulamentadas (advogados, médicos, engenheiros, contadores, et caterva). É tarefa ingrata obter desses sodalícios a condenação veemente de seus membros indignos. À guisa de ilustração, já fui procurador-chefe, auditor fiscal estadual, professor universitário, juiz federal e sou advogado. Tenho uma experiência profissional multifacetada. Por incrível que pareça, o magistério, não sei o porquê, é o menos corporativista de todas as categorias que venho de citar. E o que mais sofre em todos os sentidos.
Todo poder ao Conselho Nacional de Justiça e todo apoio à ministra Eliana Calmon. Quando um órgão de correição alevanta-se, todos correm a dar-lhe pauladas. É vezo antigo de Corte realenga que ainda somos: um país elitista, um Estado cartorial, racista, dissimulado, cínico, acostumado a privilégios de classe, lugar, gênero, profissão e cor, mesmo em São Paulo, em que pese o esforço da inserção social. Nem se queixem do povo. A arraia-miúda, bastam uma enchente, um prédio evacuado, um carro aberto, a virada de um caminhão, para que todos se ponham a saquear os bens alheios.
Os exemplos vêm de cima e deseducam a juventude e o povo que se urbanizou e perdeu os antigos valores da sociedade rural arcaica e agora começa a ter, na cidade, consciência de sua intrínseca dignidade humana que a todos anima e reveste. Dizem que a ministra é destemperada. Sei não! Penso que é veemente e veraz, apenas isso, qualidade típica dos indignados. Quem, como ela, teve a coragem de meter a mão no vespeiro? Merece loas.
Dizia que o povo começa a ter consciência de sua intrínseca dignidade. Terá ainda mais quando a elite se mostrar mais ética, a educação generalizar-se e o sistema judiciário punir os infratores a tempo. E me vem à mente, não sei a razão, uma frase lapidar de Karl Marx, cuja faceta moral os fascistas e os desinformados procuram cobrir de miasmas: “A esmola avilta a quem dá e a quem recebe”. O seu ideal de igualdade de todos em face de todos cunhou a assertiva acima, a queimar como brasa acesa a nossa tolerância com a desigualdade ou quem sabe, mais ainda, a intolerância dos privilegiados com a igualdade, não necessariamente de bens materiais.
O que sei Joãozinho Trinta já disse: “Pobre gosta é de luxo, intelectual é que gosta da miséria”. Tudo para dizer que não é o Bolsa-Família que vai tirar o país da desigualdade, embora tenha lá sua razão de ser, e pode até ajudar a perpetuá-la em certa escala. Sairemos pela educação, que tarda em ser eficiente, e pela empresa unipessoal. Entre o Incra, o Ibama, a picaretagem das ONGs (há exceções), a gula do sindicalismo e o Bolsa-Família, fico com o Sebrae, que ensina as pessoas a serem autossuficientes, empreendedoras (1,8 milhão de pequenas empresas em 10 anos). É por aí que a dignidade se esforça em crescer. Não há independência ética e política sem independência econômica. Para ser é preciso ter e fazer como nos mostra Pereirão, personagem de novela e como queria o Aquinata: “É preciso um mínimo de dignidade para se praticar a virtude”. E para os ricos empedernidos, juízes ou não, que haja um direito penal máximo para seus delitos execráveis, como requer a República.
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