Sacha Calmon
Advogado, coordenador da especialização em direito tributário da Faculdades Milton Campos, ex-professor titular da UFMG e UFRJ
Essas mal escritas linhas estão inspirados em José de Souza Martins, professor titular de sociologia na Faculdade de Filosofia da USP e professor da Cátedra Simón Bolivar, da Universidade de Cambridge, fellow da Trinity Hall. É ainda pesquisador emérito do CNPq e membro da Academia Paulista de Letras.
O Brasil político tem perdido um tempo enorme com assuntos adjetivos da crise. O bolsonarismo é consequência do lento agrupamento da diversidade e contradições que foram desdenhadas pelos partidos de motivação social. Aglomerado de resíduos antidemocráticos, da democracia frágil, encontrou lógica no conjunto de irracionalidades que deram vida à sua política do absurdo.
Seu objetivo tem sido assegurar ganhos de Primeiro Mundo num país de Terceiro Mundo, explosão da miséria, da fome, do desemprego.
Só lentamente o Brasil político definiu como atuar nas eleições e também depois delas, (uma frente democrática contra o autoritarismo e a herança maldita que dele ficará). Temos tratado o bolsonarismo como assunto menor e não como gravíssima anomalia em nosso processo político. Referimo-nos aos bolsonaristas como caricaturas ativas que tiveram êxito na usurpação do poder e no desmonte das conquistas sociais.
Não cuidamos de decifrá-lo, conhecer-lhe a origem, os fatores, o enraizamento na sociedade, a ação corrosiva contra as estruturas frágeis da democracia, as alianças de interesses antissociais que neles se corporificam. O bolsonarismo não está sozinho na crise e na agonia. O sistema partidário também está. As esquerdas, do mesmo modo, não estão a salvo. Os grupos e partidos políticos se determinam reciprocamente. Elas precisam retornar à dialética e rever criticamente quais são as contradições do momento histórico e a práxis social do possível.
Nosso grande desafio é o de assumir que o bolsonarismo, para ser superado, tem que ser estudado e conhecido como é, esdrúxulo objeto de conhecimento. A falta de seriedade do bolsonarismo tem que ser estudada a sério como problema social e político, como eficaz máquina de limitação da cidadania.
É ele expressão tardia e extemporânea de uma estratégia política que remonta ao período final da Segunda Guerra Mundial, quando já estava em andamento a Terceira Guerra. Não mais a do confronto de potências, mas a do confronto do Estado repressivo e armado contra a sociedade, para tratá-la como inimigo interno porque abriga os que perfilham carências sociais.
O bolsonarismo revela nossa alienação política, nossa dificuldade para contrapor uma ação política consequente a políticos de anedota.
No bolsonarismo se reflete a alteração da realidade dos militares. Com ela, a função dos militares encolheu. A definição de inimigo e o modo de combatê-lo é outra. O inimigo, praticamente no mundo todo, é hoje um inimigo inventado. E uma das funções dos militares na atualidade é a de inventá-lo ou a de supô-lo para combatê-lo.
Os reais novos inimigos, por outro lado, como a produção e o tráfico de drogas, que aniquilam a vida de suas vítimas e o próprio capitalismo, vicejam porque as forças de segurança não os têm como centros de referência.
No cumprimento de sua função de desmantelar a sociedade e disseminar a desordem permanente, o bolsonarismo é expressão de uma realidade política propositalmente criada com o objeto de instituir a insegurança, a incerteza e o medo como mediações permanentes da instabilidade política. E, nesse sentido, militarizar as instituições e a competência cidadã da sociedade.
Somos hoje parte de um sistema político e de uma economia mundializados. Os seus gestores, com tecnologia, desmontam as bases sociais e políticas que fazem do homem comum autor de sua própria história.
Não permitiremos que a nossa democracia, sob a Constituição de 1988, seja conspurcada tão torpemente, como trama o presidente atual da República. Moro, como juiz ou político, está na raiz dos antidemocráticos atos do bolsonarismo, até por ter sido ministro de um governo medíocre na economia, na política e na ética.
Estamos convencidos de que os oficiais de nossas Forças Armadas não endossarão aventuras, inútil solércia, para a implantação de ditaduras, como ocorreu nos EUA com Donald Trump.
Trump foi condenado lá por incentivar a “marcha da invasão” do Capitólio, sede do Poder Legislativo norte-americano. Aqui, quem ousar perderá. Passou da hora o implante do controle externo das Polícias Militares do Brasil.
Bolsonaro faz de um tudo para abalar a confiança do povo nas urnas eletrônicas, em uso desde o século passado sem registro de fraudes. Aliás o presidente não reclamou quando foi eleito.
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