O conceito de tributo

O que entrar em dinheiro na burra estatal, sob a forma de prestação pecuniária – o que exclui as entradas de caixa e as apropriações – que não sejam indenização, multa ou contrato só pode ser tributo.

Impende, antes de tudo, indagar a razão jurídica mercê da qual, nas mais diversas circunstâncias, o Estado absorve valores pecuniários. Se o Estado, tirante a sua condição de contratante ou donatário, não está nem arrecadando bens pecuniários vacantes, nem recebendo multas, nem sendo indenizado em tempo de guerra ou paz, nem percebendo pecúnia ex contractu, tudo o mais que entra como receita, excluídas as “entradas” de caixa, tais como cauções e fianças, ou é tributo ou é enriquecimento sem causa. A questão é de ontologia jurídica, e não de técnica legislativa.

O conceito de tributo

O tributo se legitima e se diferencia das prestações pecuniárias e apropriações em função, precisamente, de sua hipótese de fato relacionada ao preceito. Tributo é toda prestação pecuniária em favor do Estado ou de pessoa por ele indicada, tendo por causa um fato lícito, previsto em lei, instituidor de relação jurídica, diferenciando-se da multa porque esta, embora prevista em lei em favor do Estado, decorre de um fato ilícito (ter o “multado” descumprido algum dever contratual ou legal).

Extrema-se da indenização porque esta, posto que também prevista em lei, tem por “razão de ser” prévia e comprovada lesão ao patrimônio alheio, inclusive o estatal.

Contrapõe-se às prestações pecuniárias “contratuais” ou de jus gestionis porque tais receitas decorrem de acordos de vontades (contrato). Enquanto o tributo é unilateralmente previsto em lei, o objeto de tais obrigações é ajustado ex voluntate, tendo por mira múltiplas situações (aluguel ou venda de coisas, contratos de mútuo, aplicações financeiras, prestações de serviços etc).

Distingue-se o tributo de outros deveres pecuniários compulsórios de índole privada (seguro obrigatório automobilístico) ou da obrigação de alimentar porque, nesses casos, o credor é pessoa jurídica de direito privado ou pessoa natural, e também porque a cobrança, em tais casos, não é feita mediante atividade administrativa plenamente vinculada à lei.

Embora os contratos extraiam sua força das leis que lhes traçam o perfil ou, pelo menos, lhes atribuem os requisitos mínimos (contratos inominados), quando se diz que o tributo decorre da lei, e as obrigações convencionais de contratos, está se querendo dizer que o tributo é decorrente de fato unilateralmente previsto, e a obrigação convencional de fato lícito multilateralmente acordado. Um é ex lege (nesse sentido), o outro é ex voluntate.

O tributo, finalmente, distingue-se das “apropriações” de dinheiro abandonado porque aí o fato, embora lícito e acontratual, não é causador de relação jurídica. Com efeito, a existência de dinheiro na condição res nullius ou res derelicta não é fundamento, razão, hipótese, causa de obrigação. Em virtude desse fato, ninguém fica obrigado (dever jurídico) a uma prestação pecuniária, situação comum à multa, à indenização, ao tributo e às obrigações convencionais. Ao contrário, a existência de bens vagos, quando dinheiro, enseja tão somente a sua adjudicação ao Estado ex lege mediante ato de apropriação (ato do Estado). Em suma, sendo o tributo antes de mais nada uma prestação pecuniária, distingue-se da apropriação porque esta não o é (prestação pecuniária, implicando a figura do sujeito passivo). A cláusula “em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir” não significa que se possa pagar com cabras ou queijos o tributo devido. Significa, no sistema do Código Tributário Nacional, pagar com selos, ou estampilhas, ou títulos.

Concluindo, o que entrar em dinheiro na burra estatal, sob a forma de prestação pecuniária – o que exclui as entradas de caixa (fianças, cauções) e as apropriações – que não sejam indenização, multa ou contrato (aluguer, juro, foro, laudêmio, preço) – só pode ser tributo.

O que caracteriza o tributo é a sua essência jurídica. Por isso mesmo, o CTN, no artigo 40, dispõe que: “A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la: I – a denominação e demais características formais adotadas pela lei; II – a destinação legal do produto de sua arrecadação”.

Por outro lado, a essência jurídica do tributo é ser prestação pecuniária compulsória em favor do Estado ou de pessoa por este indicada (parafiscalidade), que não constitua sanção de ato ilícito (não seja multa), instituída em lei (não decorrente de contrato). Intuitivo, também, que a prestação pecuniária no caso do tributo não é feita para indenizar (recompor) nem para garantir (depósitos, fianças, cauções), admitindo cobrança administrativa.

Sendo tal, a prestação pecuniária será tributo e estará, no Brasil, sob a disciplina dos princípios jurídico-tributários insertos na Constituição e nas leis de normas complementares.

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