Qualquer ponderação seria inútil na ocasião ante o diagnóstico realista da jovem brasileira
O homem se chamava Francisco e todo dia lia o jornal. Parou e lembrou-se do amigo falecido, de falas judiciosas e solenes. Encontrara-o em Nova York, voltava do Canadá e disparou a frase de impacto: “O Canadá tem o melhor da Europa e dos EUA, sem os defeitos de uns e outra”. O Canadá não lhe saía da cabeça. Agora era a fala ouvida da filha mocinha há tempos: “Eu? Tô fora, no Brasil não fico de jeito nenhum. É só me formar e me mando. Vou para o Canadá! Chega de corrupção, insegurança, criminalidade e bagunça!”. Qualquer ponderação seria inútil na ocasião ante o diagnóstico realista da jovem brasileira.
Melhor ler o jornal dos mineiros à sua disposição, entregue em casa todos os dias, como outrora também lhe punham à porta a garrafa de leite fresco e o pão quentinho, em sua cidade natal. As manchetes e notícias, todo dia, davam conta da situação do país: “Três homens foram assassinados a tiros na madrugada de sexta-feira em Guarulhos, na Região Metropolitana de São Paulo. Segundo relato de testemunhas, duas das vítimas estavam numa moto, na Rua Sapé, quando foram baleadas por dois homens que passaram também numa moto. A terceira vítima, um adolescente de 17 anos, estava saindo de casa e também foi atingido pelos tiros. Segundo a polícia, ele foi baleado porque tinha visto o crime”.
“A turista de Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, que foi baleada durante um assalto na Ponte da Amizade, em Foz do Iguaçu, no Oeste do Paraná, na manhã de ontem, morreu por volta das 16h. De acordo com a Polícia Rodoviária Federal, três rapazes armados se aproximaram e anunciaram o assalto. A gaúcha estava logo à frente com o marido, se assustou e foi atingida com um tiro no abdômen”.
“A polícia encontrou o corpo esquartejado de uma mulher dentro de uma mala no Jardim Aimoré, na Zona Leste da capital paulista, por volta das 3h de ontem. De acordo com informações da Polícia Civil, a mala foi encontrada em frente a um escritório de advocacia na Rua Alarico Cavalcanti Nunes, na altura do número 25. A equipe de perícia foi ao local e encontrou uma etiqueta de identificação junto à mala. A vítima tinha cerca de 25 anos e cabelos tingidos de ruivo.”
“Condomínio de luxo/Engenheira mineira morta a tiros no Rio é enterrada em BH; Assalto no Santo Agostinho/Vestidos de policiais, bandidos roubam R$ 1 milhão em joias; Angústia do Sisu/Alunos abandonam cursos aos sonhos para garantir a vaga; Produtividade na indústria/A produtividade da indústria voltou a cair, enquanto o emprego industrial ficou estagnado e o número de horas pagas dos trabalhadores teve ligeiro recuo, a folha de pagamento real do setor subiu 7,8%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); Fúria do dragão/Custo de vida de famílias que ganham até 2,5 salários mínimos supera indicador oficial do governo e fecha em 6,9%; Inflação da baixa renda nas alturas/O Brasil registra um bom desempenho de vendas no varejo, o que pesa na decisão dos investidores. Mas a mesma camiseta vendida lá fora custa 40% a mais no Brasil por causa dos custos e dos impostos. Isso vai totalmente contra as estratégias globais das grandes marcas, de apostar no volume para vender mais. Tragédia em boate em Santa Maria: 246 jovens morreram; Assaltaram os fiéis dentro da igreja.”
Estava assim imerso em seus pensares, sopesando as notícias quando o tinido do IPad encheu o ambiente com o seu alerta e ao abri-lo o rosto da filha lhe apareceu na tela: “Ei pai, o frio aqui está danado! Os meninos estão no cinema, dentro da estação acima do nível do metrô. Não passam frio, foi a maneira que acharam aqui, como as marmotas, de fugir dos rigorosos invernos. E o senhor, como está?” “Bem, como sempre, o de sempre minha filha, as coisas estão melhorando…”, disse abrindo aquele largo sorriso inspirado pela saudade e a alegria, mas que a alma sabe ser de patriótico fingimento. “C’est la vie”, pensou, como diriam os que moram em Montreal, no Canadá.
Depois de animada conversa, o homem que lia jornais – pelo menos a filha estava em lugar seguro – se pôs a cochilar em paz, sem ler as notícias dos mortos e feridos do feriado esticado da semana que se passara, como se o país estivesse em guerra, com tanques lançando bombas e as pessoas se matando e morrendo até mais – segundo as estatísticas – do que nas guerras do Iraque, do Afeganistão e ultimamente na Síria. O Brasil é violento e inseguro, haveria de concluir, se Morfeu, provocado, não o acolhesse em seus braços poderosos e o pusesse em sono profundo. Morfeu, o semideus grego que nos faz dormir, descansa com seus filhos, os sonhos, em enormes folhas de papoula. Ele nos ajuda a recompor as energias, despertamos bem dispostos. Os dias, a vigília, são venenosos para as almas, cujos corpos já vivenciaram todas as situações neste canto do universo onde se fala o português.
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