Os bancos, no Brasil, só financiam as grandes empresas e o Tesouro, com retorno gordo, certo e risco zero
Antes de abordar o tema, cabe homenagear José Alencar. Ele sempre achou que o controle da inflação exclusivamente com a taxa básica de juros é como fazer gol contra. Por três razões entre 10: a) o brasileiro não faz a conta dos juros embutidos nos preços de bens e serviços, pouco importando o nível em que esteja a Selic. Se as prestações couberem no seu poder de compra, nada o segura; b) o fosso entre os juros primários e os outros – capital de giro, crédito pessoal, crediário consignado, cheque especial etc. – é fantástico e a Selic, alta ou baixa, pouco interfere neles; c) a correção monetária, seja anual, mensal ou diária (Selic diária), dos tributos, contratos em geral, preços administrados como os da água, energia, telefonia, pedágios, planos de saúde, mensalidades escolares, tarifas de transporte, dependendo das circunstâncias, “contratam” a cada ano uma inflação de preços entre 2% e 4%. Indexação e inflação controlada por juros é um contrassenso descomunal, sem contar que a distância entre o juro primário e o câmbio supervalorizado aumenta, sem trégua, a especulação financeira, deprimindo as exportações e estimulando as importações. Girar a dívida vai nos custar, em 2011, R$ 200 bilhões, a maior despesa do Orçamento Geral da União (OGU). É cinco vezes o déficit da Previdência e quatro vezes o dinheiro reservado para investimentos. A educação, a saúde e a segurança estão a exigir gastos e ainda temos que financiar estradas, portos, ferrovias, aeroportos.
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) está no limite prudencial. O que fazer para garantir o pré-sal, a Copa, a Olimpíada e ainda atender os programas sociais? Por aí começa o governo Dilma Rousseff. Ela terá que baixar os juros, controlar o crédito, que tem sido o motor do crescimento, e convocar os bancos para financiar os investimentos de longo prazo na infraestrutura, a serem tocados pelos particulares, já que o Estado, além de não ter dinheiro, não ostenta vocação empresarial. Isso é feito com incentivos fiscais, diminuição da carga tributária e queda nos juros dos títulos do Tesouro. Os bancos, no Brasil, só financiam as grandes empresas e o Tesouro, com retorno gordo, certo e risco zero.
Impende reerguer as agências reguladoras com ética e técnica. Veja-se o caso do transporte aéreo. Ele é composto de seis módulos: 1) os terminais; 2) os meios de transporte; 3) as aerovias, que são estradas no céu; 4) as tripulações; 5) o pessoal de terra; e 6) o controle do tráfego aéreo. Pois bem, dos seis módulos somente a frota cresceu, embora insuficientemente. As tripulações estão sendo levadas à exaustão e são exploradas pelas empresas com risco para nós. Os terminais estão superados e defasados. O turn over do pessoal de terra é descomunal. Praticamente não se formam equipes. As pistas e pátios dos terminais não cresceram e os usuários vivem apertados como gado. A Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero) é nula. O controle do espaço aéreo trabalha no limite e sob ameaça. O transporte de carga marítima é caótico. Em Santos, há dias em que 2 mil caminhões se enfileiram para descarregar safras. No mar, há dias em que até 100 navios ficam ao largo, à mercê de piratas, esperando atracação. O transporte ferroviário ainda está esquecido. Apenas 10 mil quilômetros de linhas têm passagem de pelo menos um trem por dia. Para o diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), o setor ferroviário representa menos de 10% do transporte de cargas. No entanto, temos 28 mil quilômetros de linhas e 15 mil estão subutilizados.
E, como explicar a pouca expressão do transporte marítimo (de cabotagem) num país em que cerca de 100 milhões de pessoas moram a menos de 150 quilômetros do oceano? A navegação de cabotagem merece ser rejuvenescida, nós já fomos a terceira nação a utilizá-la. Não é mais lógico levar carros de São Paulo para as regiões Norte, Nordeste e Sul por mar, ou vice-versa, do que sobre carretas? O transporte ferroviário ligando o Norte ao Sul e o Leste ao Oeste, e logo ao Oceano Pacífico, é prioridade nacional. Enquanto isso, a China já tem trem-bala de Pequim para Xangai, a 360 km/h, além das imensas composições comerciais e outra rota ligando o território central ao Tibete, a 5 mil metros de altitude. Os portos fervilham. Há comando, há determinação. No Brasil, os buracos nas rodovias federais fazem estourar pneus e molas, atrasando o crescimento do país e encarecendo os custos das mercadorias transportadas a duras penas. Nas cidades, ônibus lotados, sem ar-condicionado, e pontos de espera a céu aberto são um escárnio a um povo desinformado. O país que o presidente Lula nos deixa, movido a crédito, está febril. Juízo e água fria nunca fizeram mal a ninguém. Nossos votos são para que Dilma Rousseff seja firme, modesta e eficaz.
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