Sacha Calmon
Advogado, coordenador da especialização em direito tributário da Faculdades Milton Campos, ex-professor titular da UFMG e UFRJ.
É desesperador, principalmente para nossos filhos, a viver no “país do futuro”, mas que mantém as sequelas do horrível período monárquico.
Olhamos a Argentina como se estivéssemos em situação melhor. É pura ilusão! Em 2021, analisando-se o PIB per capita da Argentina, segundo a econometria da OCDE, com base na paridade do poder de compra das moedas (uma cesta de mais de 120 itens de bens de consumo e serviços compráveis) era de 28% do poder de compra do dólar americano (âncora da comparação), o do Brasil foi calculado em 22,9% relativamente ao dólar americano.
Dir-se-á que a nossa população é maior e de fato é (Brasil 218 milhões de pessoas e Argentina 42 milhões) mas a Índia com 1 bilhão e duzentos milhões de pessoas tem um PIB per capita em face do dólar americano de 10,8%. A Indonésia, com mais de 260 milhões de pessoas, pontua com 19,5% sempre em relação ao poder de compra da moeda americana. A Noruega se apresenta com 109,6%. Portugal pontua 51%, França 67,1%, Israel 60,2%. Japão 67,3% e a Irlanda, quem diria, com 142,3%…
Mas o pior são as projeções para 2060 feitas pela mesma OCDE. Em 1960, após interpolar vários dados (o Brasil parou de crescer por volta de 1983 ou apresentou baixo crescimento desde então) o nosso país pontuará com apenas 27,4%. A Argentina, sempre à nossa frente, estará com 31,6%. Portugal com 61,4%, Espanha com 63,7%. A Irlanda terá um poder de compra maior que o dólar americano, ou seja, 151,7% (França, Reino Unido e Japão, todos estarão ainda na casa dos 67% com vantagem para o Reino Unido, perto de 80%).
Nós estaremos com grandes dificuldades – mantida as mesmas condições de agora – em relação a renda per capita da maior parte aumentar população. É desesperador, principalmente para nossos filhos, a viver no “país do futuro”, mas que mantém as sequelas do horrível período monárquico. Quando se proclamou a República, 92% da população era analfabeta (e ainda se endeusa o inepto D. Pedro II).
A primeira República que durou até a revolução liberal de 1930, depois empolgada por Getúlio Vargas, que teve de lutar contra o heroico inconformismo de São Paulo, em breve guerra civil, pouco fez pelo povo. A elite do café (São Paulo) com Leite (Minas) continuou a defender seus interesses de classe em face do povo. Mas São Paulo, que aplicou o dinheiro do café na industrialização por força da substituição das importações impulsionada pela interrupção do fluxo em razão da primeira e segunda guerras mundiais, permitiu aos paulistas erguer sua potência no agronegócio, na indústria e nos serviços (o PIB de São Paulo é o primeiro na América do Sul e é maior, sozinho, que o PIB argentino, sendo 41% do PIB brasileiro). Os três estados do Sul tentaram segui-lo, mas sem êxito, embora tenham os melhores produtos brutos do país comparativamente falando, porquanto o Rio e Minas disputam o 2º lugar (o PIB nominal).
Essa arenga é para denunciar esse governo inepto de Bolsonaro que abomina o planejamento econômico ao argumento de ser liberal, embora os EUA que o são por destinação histórica e cultural, levem na devida conta o planejamento tanto econômico quanto militar. Como se sabe, o político norte-americano tem um olho na política internacional e outro pregado no crescimento da economia, o que atrai ou rouba votos, dada a imensidão da classe média neste país.
O Sr. Guedes está completamente esquecido de suas premissas e, ninguém sabe por que continua num governo sem planejamento algum, totalmente entregue ao centrão, que terá 20 bilhões para obras eleitoreiras. É de se ver que haverá, além dos desvios e contratações marotas, pontes construídas, postos de saúde, ginásios etc.. Mas cada município se valerá de seus deputados federais para obras desconectados de um processo lógico e organizado de investimentos necessários.
Bolsonaro espanta investimentos, não há segurança jurídica.
Que fique claro: investimentos frustrados não são exclusividade desse governo. Em 2015, o primeiro-ministro da China fez uma visita midiática ao Brasil. Ao lado de Dilma Rousseff, anunciou um fundo bilateral de US$ 20 bilhões para apoiar projetos na área industrial e de infraestrutura.
O fundo até foi estruturado, em 2018, e começou a analisar os primeiros empreendimentos para financiar. Escolheu a linha de transmissão de Belo Monte como prioridade. Em meio às provocações da campanha, que foram desde uma forte retórica anti-China até uma viagem da família Bolsonaro para Taiwan (tida como ofensa em Pequim), o fundo travou. Nunca mais foi retomado. Mais uma frustração.
E a fábrica de US$ 12 bilhões da taiwanesa Foxconn para produzir eletrônicos de ponta, alguém lembra? E os investidores que acenavam, em “road shows” do governo brasileiro no exterior, com maior participação nos leilões de infraestrutura? “Quem vai querer ficar de fora?”, era a pergunta retórica do ministro Tarcísio ao falar sobre ativos como a Via Dutra. Veio a relicitação da principal rodovia do país, com fluxo de tráfego conhecido e diversos mecanismos contratuais para atenuar riscos. E quem entrou na disputa? CCR e Ecorodovias.
É isso. Falar verdades, nada de lorotas e promessas irrealistas.
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