Resta apenas a disputa política. Fazem tudo para sabotar Obama.
Não sei o que é pior, o bipartidarismo norte-americano ou o desbragado pluripartidarismo brasileiro, pleno de siglas e falto de ideias: PSDB, DEM, PR, PP, PTB, PMDB, PSD, PSOL, PV, PRT, PSTU, PDS, PSB, PC do B, PT et caterva. Aqui é a bagunça, lá a intransigência. É bom não termos por aqui o Partido Republicado, a assumir, no século 21, posições fundamentalistas que jamais seriam aceitas na Europa. Basta repassar alguns temas, como o do porte de armas. No Reino Unido, terra-mãe dos estadunidenses, somente se tem arma para caçar. Adquirida, o proprietário obriga-se a informar à polícia onde será guardada e quando será usada e em que local. O Reino Unido é tão restritivo quanto nós. Os EUA são o país mais permissivo por causa dos republicanos, fascinados pela força, as guerras, o culto aos heróis, o tremular de bandeiras e o uso de armas de fogo. São igualmente extremados adeptos da livre empresa e absolutamente contrários à atividade regulatória do Estado. Dizem que a liberdade anda junto com a responsabilidade. Se há abuso do Estado, pau nele; se do indivíduo, cadeia, prisão perpétua ou pena de morte. São oito ou oitenta. Ademais, acreditam piamente em certos dislates religiosos. O candidato à Presidência derrotado era mórmon, uma religião criada lá mesmo por “um anjo” chamado Moroni, a princípio adepto da poligamia, à maneira dos patriarcas hebreus. Só faltava essa, anjos criadores de seitas patriarcais.
Alberto Carlos Almeida, sociólogo brasileiro, autor de O dedo na ferida: menos imposto, mais consumo, anotou recentemente: “Do lado negativo, para padrões culturais brasileiros, além da visão republicana acerca das armas, há também a recente inflexão que esse eleitorado fez quanto à rejeição das evidências científicas. É de dentro do eleitorado republicano que surgem as teses anticientíficas. A rejeição ao evolucionismo e a defesa do criacionismo é apenas a mais conhecida de todas. Há muitas outras. Uma delas é a visão econômica de que a redução de impostos melhora a situação fiscal do governo. Outra, é a negação da correlação entre acesso a armas e incidência de crimes. A comparação entre Brasil e EUA quanto a isso é falaciosa, porque aqui o crime tem mais a ver com nível de subdesenvolvimento do que com porte de armas. Tem a ver, acrescento, principalmente com a impunidade e sistema de penas leniente.
Nos EUA, traficante flagrado tem pena mínima de 10 anos, independentemente da idade. Aqui é um deus nos acuda sentenciar um assassino a 10 anos de prisão. A pena não intimida, a progressão para o regime semiaberto incentiva o criminoso. “É preciso comparar a criminalidade em dois países semelhantes quanto a seu estágio de desenvolvimento econômico, mas com leis diferentes de acesso às armas. Nos últimos 10 anos ocorreram inúmeros massacres na Austrália, nenhum deles noticiado no Brasil. Os australianos tornaram mais restritivas as leis de acesso a armas e os massacres cessaram. Nenhuma evidência científica serve para persuadir uma mente republicana, em particular se for um republicano de elevado nível escolar”, conclui o sociólogo. Nos EUA há a expressão smart idiots (imbecis inteligentes) para se referir a alguém instruído, mas que rejeita qualquer evidência científica.
Esse divérbio entre os republicanos e a ciência é cada vez maior. O pensamento republicano, à medida que os EUA temem a Ásia e, principalmente, a China, tende a tornar-se uma ideologia fanática e estridente. Houve, por outro lado, um afastamento cada vez maior entre a academia, e seus cientistas, do Partido Republicano, assim como dos jovens, sejam trabalhadores sejam universitários. O chamado microtargeting, técnica política de precisão quase cirúrgica, nasceu na Universidade e foi graças a ela que Barack Obama reelegeu-se. A ideologia republicana tende a virar fanatismo patriótico extremado. O sociólogo que vimos de citar expressa seu desencanto: “É interessante ver o mapa de votação presidencial dos EUA nas últimas seis eleições: é absolutamente impressionante a regularidade tanto do voto republicano quanto do democrata. Não será uma exposição sobre a teoria de evolução, ou o derretimento da calota polar que vai persuadir um republicano de que o criacionismo está errado ou o aquecimento global é um fenômeno real”.
Resta apenas a disputa política. Fazem tudo para sabotar Obama. Terão êxito? Haverá a hora da mudança (mais latinos, mais negros e mais jovens). Mudam ou perdem eleitores. Quanto a nós, teremos mais do mesmo: bagunça partidária, privatização dos governos pelos interesses particulares, corrupção, desgoverno. Os royalties do petróleo tornaram o país uma pândega. Será que só uma emenda à Constituição fará prevalecer a vontade clara do povo brasileiro, três vezes reiterada? País desajuizado este Brasil.
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