Excetuando uma retrógrada pauta de costumes e um antiglobalismo idiota contra a China, o governo Bolsonaro se aproxima de governos populistas (de esquerda e de direita) anteriores
Quero aqui reproduzir Pedro Cavalcanti e Renato Fragelli, da FGV, esta notável instituição na magnífica análise que fizeram do gasto público.
O aumento de gastos públicos pode se materializar por três instrumentos. Primeiro, elevação das transferências diretas de renda à população, que se bem focada levará à melhoria imediata da péssima distribuição de renda do país, mas terá pouco efeito na geração de renda de seus beneficiários. Em segundo lugar, maiores despesas com serviços e bens públicos oferecidos aos cidadãos. Se concentradas no aprimoramento da qualidade da educação pública, haverá aumento da renda dos futuros trabalhadores. Finalmente, via elevação dos investimentos do governo, se bem selecionados, estimularão investimentos privados capazes de gerar emprego e renda para os pobres, sempre!
A ampliação de gastos com serviços e bens públicos, mesmo quando destinados à educação e saúde, muitas vezes se transforma em maior dispêndio com servidores, sem melhoria na qualidade do que é oferecido ao cidadão.
Em momentos recessivos, políticas que aumentam a demanda, como maiores gastos governamentais, têm efeito contracíclico de curto prazo sobre o emprego e a renda. Esses gastos não ampliam, continuamente, a capacidade produtiva, e não elevam, sustentavelmente, a taxa de crescimento da renda dos pobres. (Mas aumentam a dívida pública…)
Somente a ampliação contínua da capacidade produtiva – isto é, da oferta – viabiliza o crescimento econômico e a queda da pobreza de forma sustentável. Renda maior com menores preços unitários (para os produtores). É erro preços altos com menores vendas.
Pobreza e desigualdade no Brasil têm muito pouco a ver com o volume dos gastos públicos, pois são determinadas por fatores estruturais. Nessa dimensão, há ampla evidência de que não é a magnitude da oferta de educação, mas sua baixa qualidade, que não melhora com maiores gastos, como já demonstrado em trabalhos acadêmicos. É preciso formar professores.
De Dilma “gastos é vida” à recente mudança de coração de Bolsonaro, a norma é ignorar desequilíbrio fiscal e suas consequências, acelerando os gastos. No caso de Rousseff, isso levou a uma recessão brutal, gerando graves impactos sobre emprego, pobreza e desigualdade, atingindo os menos favorecidos.
Em relação ao atual presidente, a mudança de posição do mesmo deve-se ao aumento de sua popularidade proporcionado pelo auxílio emergencial, claramente necessário no momento, mas insustentável no longo prazo. São R$ 50 bilhões por mês, 40% a mais que todo o gasto anual com o Bolsa-Família. Ao atingir um número muito maior de beneficiários, e com transferências bem mais generosas, o auxílio permitiu ao presidente penetrar nas regiões mais pobres do Brasil, roubando um espaço que era antes de Lula e do PT. O presidente, que no passado atacou esse tipo de programa, agora é entusiasta do gasto distributivo e eleitoreiro. Planejamento bienal ou de qualquer tipo não há. Estamos indo, às cambalhotas, ao deus-dará!
Some-se a isso a aliança com o Centrão, grupo fisiológico que está dando estabilidade ao seu governo, mas cobrando caro em termos de empregos públicos e gastos. O resultado é que, em pouco tempo, e excetuando uma retrógrada pauta de costumes (contra gay, aborto, saia curta etc.) e um antiglobalismo idiota contra a China, o governo Bolsonaro se aproxima de governos populistas (de esquerda e de direita) anteriores. Não é caso isolado, o fascistoide Salvini perdeu as eleições na Itália e Orban, na Hungria, está desgastado. Não surpreenderá se o presidente buscar um “slogan” semelhante ao “gasto é vida”.
Infelizmente, a discussão nacional não procura soluções estruturais, mas simples expansão fiscal. Não se fala da qualidade dos gastos, de sua distribuição, e muito menos sobre quem pagará a conta no futuro. A expansão contínua das despesas públicas, como reza a cartilha populista, gerará, futuramente, ou aumento de impostos, ou inflação ou explosão da dívida pública – provavelmente, um pouco dos três –, sempre terminando em recessão. Em todos os casos, quem pagará a conta serão os mais pobres, com perda de renda, desemprego e miséria. A experiência é vasta e a cartilha bem conhecida.
No futuro, como já visto várias vezes, os populistas fugirão de sua responsabilidade e culparão algum inimigo externo, sejam capitalistas desalmados ou algum economista neoliberal, um ajuste na hora errada. Populistas (de esquerda ou direita) se julgam sempre certos e não percebem que o país está estagnado há 10 anos devido a uma série de políticas equivocadas muito semelhantes às que estão propondo agora.
Bolsonaro, provavelmente, o mais inculto dos nossos presidentes, somando a velha e a nova República – acima apenas da dupla Lula e Dilma – encaminha o país para a demagogia populista e a gastança, Guedes que se cuide. Só pensa em sua reeleição. Vanitas, vanitatis, como na Roma antiga. Ao povo, pão e circo.
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