Os poderes na República servem ao povo, jamais ao chefe do Executivo. Outro caminho para quem quer governar sem contraste é a renúncia.
O presidente se nos apresenta como impoluto militar, dedicado ao Brasil, religioso, rigoroso, falante da verdade, sabe mandar, como todo chefe castrense. Afora isso, é homofóbico, direitista empedernido, destituído de cultura política e humanista. É um presidente, digamos, pouco amigável e violento.
Até hoje, afora a lendária reforma da previdência (já teria sido votada, se tivesse habilidade política), faria melhor integrando em seu governicho, figuras de proa do parlamento que ele vê como pocilga. Mas passou 27 anos lá, sem nenhuma contribuição de monta para o Brasil e ninguém jamais o viu na tribuna nem discutindo os graves problemas nacionais, nos quatro ou cinco partidos nanicos a que pertenceu. Sem dúvida, foi seu ganha-pão, afora alguns negócios no Vale da Ribeira, em São Paulo. Tem vivido da República, como funcionário militar e político profissional. Se tem negócios na baixada fluminense, não me consta.
Por sua honestidade, destemor e a projeção de uma mensagem visual do presidente que romperia com métodos criticáveis, arrastou o eleitorado brasileiro e ganhou as eleições, sem apresentar projetos específicos, mas imagens e esperanças. Ganhou as eleições, indicou quatro ministros excepcionais para a Economia, Previdência, Justiça e Infraestrutura (aqui está o núcleo fundamental, pois o agronegócio não tem nada a ver com o Ministério da Agricultura) e iniciou-se o governo concentrado numa “reforma-mãe”.
Está tudo parado, esperando a reforma da Previdência. É claro que atos efetivos e menores foram tomados, mas sem profundidade política. O resultado — não falo da política externa e comercial — é a impressão de que o governo está paralisado, como a moça do Chico, na janela, vendo a banda passar.
Os 100 primeiros dias de governo foram decepcionantes. No plano externo nada, além do servilismo a Trump, que se divertiu nos jardins da Casa Branca, com o filho olhando o pai a conversar “com o homem mais poderoso do mundo”, a uns 50 metros de distância. “A cena mais importante de sua vida”, dele, filho. E daí? O que de efetivo resultou? Talvez a prudente parada estratégica da China nos investimentos planejados de US$ 7,4 trilhões e uma recomendação de Trump para o Brasil na OCDE, que nos tira vantagens.
Aos poucos, cada vez mais desvendado pela imprensa nacional e internacional, em constante crítica ao Congresso Nacional, o presidente deu início à segunda etapa do seu sistêmico projeto de poder. Começa a dizer — e cada vez mais — que não pode fazer nada porque o Congresso não ajuda. O objetivo final é um golpe de Estado: a economia está caindo, o PIB, encolhendo, o desemprego aumentando. O próximo passo é o bonapartismo. A requisição do poder absoluto e a dissolução do Congresso Nacional (“o político” é visto pelo povo como inútil, quando não, ladrão). Bem, o Jânio tentou e perdeu…
Sigam, doravante, as falas do presidente. Além da desclassificação do Congresso, a Casa que o sustentou por 27 anos, depois de desligado do Exército Nacional, insiste em menosprezar os políticos, enquanto classe e não membros plenos do Poder Legislativo, passando, subliminarmente, a mensagem de que são desnecessários. Ele quer que o povo pense que “os políticos” (deputados e senadores) não deixam Bolsonaro governar. Nas redes sociais, seus seguidores insistem, cada vez mais, em fechar o Congresso e a Suprema Corte.
Cabe aos homens de boa-fé e às Forças Armadas impedir tais desígnios, pois a democracia não está a serviço de ambições pessoais, mas do povo e para o bem do povo. Os poderes na República servem ao povo, jamais ao chefe do Executivo, por mais fardado que seja, ou inteligente, ou culto, ou experiente, ou realizador. Outro caminho para quem quer governar sem contraste é a renúncia. Pense nisso, sr. presidente. Aposente-se!
A reforma da Previdência passará, talvez a tributária, nada substancial, e mais nada. O próprio presidente declarou que não nasceu para sê-lo. Então, por que se candidatou? Precisamos instituir um semi presidencialismo como em Portugal e França. O presidente como chefe de Estado e um primeiro-ministro como chefe de Governo, demissível pelo parlamento, mas indicado pelo presidente, caso contrário, teremos crises em série e conflitos ideológicos provocados por uma direita minúscula e sem musculatura política, porém, com poderes desmedidos, a começar pela Presidência da República. A divisão de Poderes entre o presidente, o primeiro-ministro e o parlamento obriga uma convivência política estável, como ocorre em Portugal e na França. Esta seria a reforma do Estado.
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