Pensando só em arrecadar, à revelia do princípio da seletividade, os estados estão descumprindo a Constituição.
Nos meios acadêmicos esquerdistas, uma corrente profliga o ativismo judicial, no afã principal de reduzir o papel do nosso Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), as chamadas cortes superiores. O STJ tem por missão dar interpretação uniforme ao direito pátrio. O STF decide as questões constitucionais.
O Supremo é tido como guardião da Constituição, responsável por torná-la efetiva a partir dos princípios constitucionais que subordinam a ordem jurídica nacional. Dito isso, vamos ao ponto. Dispõe a Constituição no artigo 155, §2º, III, que o Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) poderá ser seletivo em razão da essencialidade do produto ou mercadoria tributável, pois o consumidor final é o contribuinte de fato do imposto (imposto repercutido ao consumidor final). O objetivo é tributar a renda gasta no consumo.
O tempo do verbo: “poderá”! Segundo certos intérpretes, significa que o imposto – por opção do legislador – poderá ser “seletivo” ou não. Se o tempo do verbo fosse “deverá” (do verbo dever) seria um “poder-dever”. Como se trata de um “poderá” seria um “poder-faculdade” e até citam o doutrinador italiano Santi Romano (o poder como faculdade e como dever). É a interpretação mais pedestre que jamais ouvi.
É certo que a Constituição não instaura o imposto, apenas o autoriza, e enuncia características e princípios a ele atinentes. O Senado da República fixa as alíquotas interestaduais e, a lei, as alíquotas internas a serem praticadas pelos estados. Até esse ponto todos estamos acordes. Dá-se que se os legisladores ordinários resolverem tributar com uma alíquota menor, por exemplo, os produtos da cesta básica e outra, maior da que a geral, para tributar bebidas e perfumes. Isso significa que ele exerceu o “poder-faculdade” que a Constituição lhe conferiu para dar seletividade ao ICMS. Ele deve ser, então, necessariamente seletivo, ou seja, tributar menos os remédios, luz, e menos os perfumes de acordo com a essencialidade do produto para o consumidor final. O ICMS permanecerá não-seletivo se o legislador não variar as alíquotas, adotando somente as comuns, a interna para transações dentro do estado e a externa ou interestadual em caso contrário (esta definida por resolução do Senado, a Casa Legislativa de todos os estados).
Como todos os estados brasileiros adotam alíquotas diferenciadas de ICMS, significa terem aderido ao princípio constitucional da “seletividade”, mas de maneira arrevesada, a ponto de pervertê-lo na prática da tributação (que fica embutido no preço final dos bens e serviços de transporte e comunicações, fornecimento de energia e consumo de combustíveis derivados do petróleo) arcados por todas as pessoas físicas e jurídicas brasileiras, todos os dias.
É nesse momento que o Judiciário, ou melhor, os tribunais superiores, o STF e o STJ, devem intervir para adequar a tributação do ICMS à Constituição da República. Chame-se a isso ativismo judicial no bom sentido.
É que os estados tributam pesadamente remédios, combustíveis, comunicações e energia elétrica, cujo consumo é massivo. Contudo, são necessários à produção e essenciais à população. Pensando somente em arrecadar, à revelia do princípio da seletividade, os estados estão descumprindo a Constituição.
Não se pode nem se deve, em casos que tais, condenar o chamado “ativismo judicial”. Ao cabo, na espécie, o Supremo estará enquadrando o Executivo e o Legislativo nos estritos dizeres da Constituição. O estado do Rio de Janeiro fixou a alíquota de ICMS sobre energia elétrica em 25% e acrescido do adicional destinado ao fundo de combate à pobreza de 5%. Considerando-se que o imposto compõe a sua própria base de cálculo, tem-se uma alíquota efetiva e aproximada de 33% (mesma alíquota sobre perfumes e cosméticos). A alíquota sobre cervejas e chope, por outro lado, é de 20%. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) declarou a inconstitucionalidade da alíquota de 25% incidente sobre a energia e os serviços de comunicação, assegurando o direito à restituição da diferença recolhida a maior nos últimos cinco anos. Deve ser aplicada a alíquota geral do estado, de 17%. O STF se colocou a favor da tese. A 2ª Turma, por unanimidade, disse que “a capacidade tributária do contribuinte impõe a observância do princípio da seletividade como medida obrigatória, evitando-se, mediante a aferição feita pelo método da comparação, a incidência de alíquotas exorbitantes em serviços essenciais” (Recurso extraordinário 634.457 AgR, 5 de agosto de 2014).
O Poder Judiciário nas decisões aqui comentadas se põe ativo, obrigando o legislador a observar a Constituição, em prol do povo. A República e o Estado de direito penhoradamente agradecem. Tomara que a Suprema Corte venha a conquistar a estima e o respeito do povo, coisa que o Executivo e o Legislativo já perderam, para nossa tristeza e lamentação.
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