Quando estive na Universidade Nacional Autónoma de México, onde comprei raros e bons livros sobre antropologia e história da América pré-colombiana, o governo de Salinas de Gortari queria mudar alguns pontos da história do México – país onde 75% da população é ameríndia ou mestiça – sem, contudo, obter êxito.
Os livros de história de lá consideram a chegada dos espanhóis e o posterior domínio hispânico das populações locais como “la invasion”. Na época fiquei matutando sobre o assunto. Aqui, dizem os livros escolares que o Brasil foi “descoberto” pelos portugueses, como se os índios fossem cachos de bananas em vez de sociedades humanas autóctones, que aqui chegaram há pelo menos 28 mil anos, segundo o Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Piauí, de resto respeitado mundo afora, em contrário à antropologia norte-americana, que data de 12 mil anos a migração dos asiáticos pelo Estreito de Bhering. É uma teoria curta. O dr. Lund descobriu, em Lagoa Santa, um exemplar humano negroide a que denominou de Luzia, a mostrar ser bem mais complexa a pré-história do continente. Em verdade, há pouco interesse em descalvar a pré-história da América atlântica, ao contrário do que ocorre nos Andes e no México, quer em Yucatán (maias), quer nos tabuleiros centrais (mexicas).
A questão indígena no Brasil continua a ser tratada com desleixo, mas agora o esquerdismo apossou-se dos índios, já civilizados como massa de manobra para perturbar a paz no campo. A Funai, em vez de ser um órgão sério, tem se mostrado um misto de corrupção e de agitação política contra o que eles chamam de “latifundiários ladrões”. Com o declínio do MST e, igualmente, do considerado corrupto e politiqueiro Incra, a Funai arvorou-se em dona do pedaço e quer voltar ao status fundiário de 1500, com 500 anos de atraso. É ridículo. Ninguém nega, e, pelo contrário, deplora o genocídio dos indígenas desde o Canadá até a Patagônia. Mas a solução não é fomentar invasões violentas de propriedades nem fazer demarcações desmesuradas em locais onde os índios deixaram de sê-lo há mais de um século. Por “tempo imemorial” deve-se entender uma posse contínua como no Xingu, onde não existem vestígios de propriedades registradas em cartório ou no chamado Registro Torrens. Pensando bem, as populações urbanas do Norte e Nordeste são de caboclos, majoritariamente. Mas ninguém cuida deles como índios, são brasileiros de segunda classe. Quem já foi a Manaus sabe do que falo.
Apoiamos o projeto de lei que atribui ao Congresso Nacional o controle das demarcações de terras indígenas, pois o Executivo fracassou no controle do processo, como foi o caso da reserva Raposa – Terra do Sol, que deu em nada, ou melhor, arrasou a cultura de arroz dos fazendeiros brancos pioneiros e deixou os índios no “ora veja!”. O envolvimento de outros órgãos na questão indígena, voltada quase que exclusivamente para a propriedade de terras valiosas, também merece aplausos.
A política indigenista precisa ser mudada. É contra os direitos humanos utilizar os índios para atiçar conflitos fundiários ou fixar a imagem “do bom selvagem” na mídia, mantendo-os em estado civilizatório incipiente, como se fosse da escolha deles viver precariamente sem os recursos da civilização. Uma visita aos EUA, onde os brancos dizimaram com crueldade as populações indígenas, seria de bom alvitre. Os americanos souberam resolver a questão, lá mais grave, por causa do racismo do homem branco. Andei num disco circular de vidro incrustado na rocha sobre o Rio Colorado, toda uma colônia com bares e restaurantes numa reserva indígena. Lá, o conceito de zoológico indígena inexiste, são unidades econômicas que permitem às tribos uma vida de conforto em sintonia com os dias que correm. São donas de grandes franquias, estações de esqui, hotéis, parques turísticos, redes comerciais, etc.
Aqui vivem bêbados, como marginais, e são presas de desmatadores ou arruaceiros, ou então sobrevivem em recantos já demarcados, mas em estado de miserabilidade. Ninguém se lembra dos índios e caboclos da Amazônia e do Nordeste, tratados com o mesmo desprezo conferido às populações pobres do grande sertão. Estou cansado de ver índio de bigode e jeans, que até já esqueceu a língua dos ancestrais. Vive-se nesse assunto a bagunça que tomou conta do governo e do país.
O Brasil deveria oferecer ao índio escola até a universidade, saúde e oportunidades, tratando-o como ser humano. Índio quer respeito, celular, laptop e oportunidade para subir na vida. Residualmente, podem ficar nas reservas até quando queiram, como é o caso dos xavantes. Vários índios do Xingu e alhures já são médicos, professores, antropólogos. Tê-los por juridicamente incapazes, tutelados por um órgão burocrático como o Incra, é um absurdo. Está na hora de dar-lhes e a nós maioridade civil (e senso prático) para reparar o mal que lhes fizemos.
Faça seu comentário