A militância virtual sofreu abalos. Sob inédita pressão, deu alguns passos para trás.
Segundo Ricardo Mendonça, em O Valor de 23 de julho de 2020, houve ou está havendo sensível mudança na atitude de Bolsonaro. Vale a pena transcrevê-lo para os meus leitores e os do Estado de Minas.
“Na manhã de 28 de maio, na porta do Alvorada, um enfurecido Jair Bolsonaro disse a repórteres e a uma pequena plateia de simpatizantes que ”ordens absurdas não se cumprem”. O tom da voz foi aumentando. ‘Não teremos outro dia igual ontem. Chega! Chegamos num limite”, advertiu. Teve até palavrão. ”Acabou, p…! […] Acabou! Não dá para admitir mais a atitude de certas pessoas individuais’.”
A irritação era em relação a uma operação da Polícia Federal deflagrada na véspera: buscas e apreensões em endereços de 17 bolsonaristas suspeitos de financiar e disseminar informações falsas pela internet. Não houve prisões naquela ocasião. Entre os alvos estavam os empresários Luciano Hang (Havan) e Edgard Corona (Smart Fit e Bio Ritmo); os blogueiros Allan dos Santos e Bernardo Kuster, donos de perfis muito populares na extrema-direita; e o ex-deputado federal Roberto Jefferson, o chefão do PTB que foi condenado no mensalão e, mais recentemente, ressignificado no bolsonarismo.
Numa conversa sobre a mesma operação, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) foi ainda mais explícito que o pai. Falando sobre a hipótese de uma ruptura institucional, disse que não era mais uma questão de saber “se” a cisão iria ocorrer, mas “quando”.
A claque bolsonarista captou os recados e, nos dias seguintes, pareceu bastante à vontade para manter o padrão usual de comportamento nas redes e nas ruas. Muitos debocharam do Supremo. Uma deputada aliada pediu o impeachment de Moraes. Um dos blogueiros alvo chamou o ministro do STF de “moleque” e “criminoso” em novo vídeo. Reunidos semanas depois nos arredores da corte, um grupo atacou a instituição com fogos de artifício.
Mas o importante vem agora. Aconteceu o quê? Nada, ou melhor, os valentões deixaram de sê-lo. E prossegue o articulista:
“Em 15 de junho, em nova operação, a PF prendeu a bolsonarista Sara Giromini, conhecida como Sara Winter. No dia 16, Moraes atendeu pedido da Procuradoria-Geral da República e determinou a quebra do sigilo bancário de 10 deputados bolsonaristas e um senador. São personagens de um segundo inquérito no STF, o que apura organização de atos antidemocráticos. Nesse ato, foram mais 21 mandados de busca, alguns contra figuras que já haviam sido visitadas pela PF dias antes. No dia 26, foi a vez da prisão do blogueiro Oswaldo Eustáquio, um dos mais ativos e ousados bolsonaristas da rede.
O ministro Alexandre de Moraes não se intimidou com memes, xingamentos, insinuações e ameaças após a primeira operação; e Bolsonaro estava blefando quando afirmou que não haveria outro dia como aquele – ou, mais revelador ainda, não teria obtido respaldo de outras forças para tentar incapacitar o Supremo Tribunal Federal.
Os dias seguintes à segunda leva de buscas foi bem diferente no orbe bolsonarista. A coluna do pesquisador David Nemer, antropólogo da Universidade da Virginia (EUA) que monitora 1.874 grupos do WhatsApp de apoio ao presidente, disse ter apurado uma queda de até 30% no fluxo diário de mensagens. “O tom também baixou muito”, notou Pablo Ortellado, professor da USP que estuda o tema. Não surgiram mais notícias de zombaria contra o STF. E o blogueiro que havia chamado Moraes de “moleque” e “criminoso” foi flagrado apagando vídeos antigos de seu canal no YouTube.
“Vários correram para apagar vídeos e tuítes”, afirma a antropóloga Letícia Cesarino, pesquisadora de novas mídias a UFSC. “Foi algo inédito nesse ambiente. Uma queima de arquivos. Estão vendo que não estão mais imunes.”
O STF e a PF não são as únicas frentes de pressão contra a cibermilitância do presidente. Há duas semanas, o Facebook derrubou uma rede de contas e perfis inautênticos que se dedicava a desinformar e a fazer ataques coordenados. As mais de 80 contas e páginas retiradas do Face e do Instagram nem eram as maiores do campo bolsonarista, mas a ação teve impacto político relevante por mostrar que eram ligadas a integrantes do gabinete da Presidência, aos filhos de Bolsonaro e ao PSL.
Outro pedregulho está no Twitter. O recém-criado perfil Sleeping Giants Brasil dedica-se a desmonetizar canais, sites e blogs identificados como os mais descarados difusores de notícias falsas. Em apenas dois meses mobilizou mais de 450 empresas a remover anúncios de alguns dos principais portais de apoio do presidente (calcula-se no meio que os chamados “ads automatizados” chegam a render mais de R$ 20 mil por mês a propagadores de notícias falsas).
A militância virtual sofreu abalos. Sob inédita pressão, deu alguns passos para trás. A insolência e a insurgência bolsonaristas contra as instituições democráticas parecem ter assimilado o recado de que não estão imunes e, principalmente, não têm a proteção do presidente da República, cuja adequação à prática da democracia dos três poderes é cada dia mais perceptível, sob os aplausos da maioria.
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