Putin não tem o direito de impedir a entrada da Ucrânia na CEE, mas é legítimo de sua parte exigir a não militarização ou a não nuclearização do país vizinho
Sacha Calmon
Advogado, coordenador da especialização em direito tributário da Faculdades Milton Campos, ex-professor titular da UFMG e UFRJ
É evidente que o poder econômico da China é inconteste e logo será a primeira economia do mundo entronizando a Ásia como o continente principal, sem nos esquecermos da Índia.
Pois bem, estão dizendo que a Rússia (145 milhões de habitantes) tem uma economia do tamanho da Itália, uma tolice. É a produtora de armas e também a maior vendedora, além de potência nuclear e espacial.
Não me consta que a comparação seja válida; em termos materiais, somente a Índia compra 65% de armas à Rússia. Aliás, isso é bom para a Índia em termos de se declarar neutra em face do confronto geopolítico Rússia/China versus EUA, cujo assanhamento sob Biden é evidente. É preciso aceitar a coexistência pacífica de nações que são potências políticas e militares e não entronizar a hegemonia americana no mundo pela via do poder militar. “Os EUA estão de volta” não pode ser um faroeste. O texto os “EUA estão de volta” é o “slogan” de Joe Biden, presidente americano (não é nem pode ser brinquedo geopolítico).
É tão fácil criar proezas na Síria como reconhecer o fracasso em face do talibã, no Afeganistão. Não é exagero que a América saiu corrida de Cabul, repetição da saída às pressas de Saigon, tomada pelos vietcongs, que tornaram sua terra liberta da França e depois dos EUA.
A crise ucraniana se resolverá pela diplomacia europeia. A Alemanha, contrariada, forçou a França a atuar como mediadora, de modo a pacificar a Europa, ora em choque pelo açodamento de Biden na Ucrânia, cuja situação econômica é grave. A Alemanha, que tanto relutou em ajudar a Grécia, não quer um país sete vezes maior que só trará problemas financeiros e despesas e entrar na CEE (seu poderio militar nada acrescenta ao poder da Otan). Os oleodutos e gasodutos da Rússia a suprir a Europa central e ocidental de óleo e gás criam uma situação europeia de interdependência e conforto, valendo muito mais que as complicações ucranianas. É como os pragmáticos alemães e franceses pensam, em que pesem suas declarações retóricas em prol da Ucrânia, que insiste em seus planos nucleares contra a Rússia.
Numa época em que tanto a China quanto a Rússia se opõem à administração de Biden (um envelhecido John Wayne, não muito longe do ridículo) torna a questão duvidosa. Essa retórica da defesa da liberdade é velha, do tempo da Guerra Fria contra a URSS, que nem mais existe.
Putin não tem o direito de impedir uma suposta entrada da Ucrânia, povo irmão há 800 anos, na CEE, mas é legítimo de sua parte exigir a não militarização ou a não nuclearização da Ucrânia, cujas fronteiras são extensas com a Rússia, que aliás nasceu em Kiev e Ningi-Novagorod, a ponto de se falar numa Rússia kievana, antes de ser moscovita e acolher sangue sueco na tundra entre a bela São Petersburgo e a grandiosa Moscou.
A Ucrânia acha fácil entrar na CEE. Não é, há vários requisitos que ela não tem condições de preencher…
Voltemos à Rússia “sendo do tamanho da Itália”, embora lhe faça concorrência nas artes. Não me consta que a Itália tenha produzido mísseis atômicos intercontinentais nem cápsulas capazes de unir os centros espaciais do mundo à estação internacional, que fica a dar voltas em torno da terra. Hoje, somente se vai e se vem dela pela Rússia em equipamentos e foguetes aeroespaciais operados por ela, sem ajuda do Ocidente. O primeiro homem a dar voltas em torno da terra foi um russo, espantado com a beleza do nosso planeta perdido na imensidão do cosmo: “A terra é azul”, disse um Gagarin extasiado.
Sua tecnologia, dela, lhe rendeu submarinos atômicos. Obviamente, o potencial tecnológico da Rússia e suas armas nucleares e convencionais a tornam a maior exportadora de armamentos do mundo, tanto os leves como os pesados, além de possuir e explorar 90% das terras-raras, a tornam ainda uma nação com ogivas nucleares tantas ou mais que os próprios EUA.
Quando Kruschev, que era ucraniano, montou mísseis em Cuba, os EUA reagiram e ameaçaram a Rússia. Nada de foguetes atômicos a 90 quilômetros de seu território.
Considero – depois de 10 anos de advertências de Moscou, foi uma insensatez da Ucrânia querer entrar para a Otan – ardente e hipocritamente querida pelo Ocidente, que se negou a desmentir esse fato. Putin queria uma declaração por escrito. O resultado está aí. A Rússia não quer uma Ucrânia hostil, integrando a Otan com foguetes atômicos no seu flanco sul. São mais de mil quilômetros de fronteira.
Se não pôde ser por bem o foi por mal. Avisos não faltaram. Ao cabo, a Ucrânia é que pagará por tudo. O Ocidente dela se aproveitou e a abandonou. Sanções? A China fornecerá o que a Rússia precisar dela, comprará petróleo e gás, adubos e fertilizantes. A Europa vai pagar caro por essa insensatez! Mas só por algum tempo, voltará a comprar da Rússia…
A Rússia anexará as províncias separatistas depois de destruir militarmente a Ucrânia. Consideramos um erro anexar a Ucrânia, um país de 40 milhões de habitantes. Um novo governo pró-Russo é o desejo de Putin.
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