O poder desloca-se para a Ásia. Uma jogada entre a China e o Japão acaba de acontecer, de largo alcance
Antes da Segunda Guerra Mundial o crescimento do Japão era obstado no pacífico pelo imperialismo inglês (Índia, Birmânia, Ceilão), holandês (Indonésia), francês (Indochina) e demais potências europeias, inclusive Portugal (Goa, Gamão, Diu, Macau). A China vivia “os séculos da humilhação” ocupada pelos europeus e invadida pelo Japão (Manchúria). Na inglesa Shangai, no bairro britânico, lia-se numa tabuleta ser proibida a entrada de chineses e cães. Em suma, a Ásia inteira, incluindo a Ásia Menor tomada do Império Otomano, exceto o Japão, vivia sob o colonialismo europeu que dominava ainda a África, a sugar as riquezas dessas regiões para as metrópoles europeias.
O Japão não tinha como obter matérias-primas, preparou-se para a guerra, mas no coração mesmo da Grande Meretriz havia uma Alemanha humilhada pelo Tratado de Versalhes, que deu fim à Primeira Guerra Mundial, ávida por terras, suprimentos e afirmação nacional, o que explica o expansionismo e o arianismo revanchista do nacional-socialismo de Hitler. A Alemanha sentia-se oprimida (indenizações de guerra) pela França e Reino Unido e barrada a leste pela Rússia e povos eslavos, adeptos do comunismo.
Do outro lado do Atlântico, Roosevelt, cercado por isolacionistas míopes, espreitava a tragédia europeia, os apuros de Stalin e o perigo japonês, ávido por substituir todas essas potências dominantes, fossem aliadas (Inglaterra, França e Rússia), fossem inimigas (Alemanha e Japão), identificados os dois últimos como potenciais rivais e povos operosos. A guerra seria a oportunidade de reativar a economia americana em depressão, convertendo sua indústria em bélica e seus capitais em empréstimos aos aliados. Estando o palco das operações a leste e a oeste de seu território, sairia inteira da guerra como potência dominante na Europa Ocidental, na Ásia e na África e por aí começaria – como de fato ocorreu – o império econômico e militar americano. O século 20 foi o século americano, em tudo e por tudo. Os EUA jamais tiveram um governante tão sagaz quanto Franklin Delano Roosevelt, tanto que teve quatro mandatos presidenciais em série e teria outro se não morresse (ver e ler Tempos muito estranhos, a contar a grande saga desse arguto político).
A Segunda Guerra Mundial mudou o mundo inteiro. Dela surgiu a Comunidade Econômica Europeia tal como a conhecemos hoje. O resto da história todo mundo sabe. A descolonização fez a Europa voltar-se para si mesma e os EUA se tornaram a maior potência econômica e militar do globo, a confrontar a outra novidade geopolítica do pós-guerra: a URSS. Durante 50 anos travaram a Guerra Fria, até a queda do socialismo real.
Destroçados, menos a América, pela guerra mais cruenta da humanidade, finda em 1945, temos hoje que as quatro maiores potências econômicas são, de novo, ironicamente, pela ordem: EUA, China, Japão e Alemanha. Mas o xadrez geopolítico não cessa de alterar suas peças. O poder desloca-se para a Ásia. Uma jogada entre a China e o Japão acaba de acontecer, de largo alcance. Os governos chinês e japonês fizeram acordos financeiros para estreitar a ligação entre a segunda e a terceira maiores economias do globo, em uma iniciativa que pode elevar o status do yuan para o de uma divisa internacional e solucionar as dificuldades que as empresas com sede no Japão tinham para seus negócios na China.
As diretrizes visam ainda reduzir o uso do dólar norte-americano nas trocas cambiais entre os dois países, possibilitando limitar o papel da moeda dos EUA na região de maior ritmo de expansão do mundo. A medida mais relevante foi a do programa que permitirá ao Banco para Cooperação Internacional do Japão (JBIC, na sigla em inglês) fornecer apoio financeiro para investimentos no exterior e emitir bônus denominados em yuans no mercado continental chinês. Esse ponto é parte de uma iniciativa ampla para alavancar os bônus denominados em yuans e ienes – a moeda japonesa – globalmente.
O mercado doméstico de títulos da China – que movimenta mais de 20,1 trilhões de yuans (uma cifra equivalente a US$ 3,3 trilhões) em bônus de dívidas – tem sido vetado à participação de emissores estrangeiros. O mercado doméstico chinês é o segundo maior da Ásia, atrás apenas do mercado japonês. Pequim tem estimulado bancos comerciais estrangeiros e bancos centrais a comprarem títulos chineses, o Banco de Desenvolvimento da Ásia e a Corporação Financeira Internacional (IFC), braço do Banco Mundial que apoia o desenvolvimento sustentável do setor privado, eram os únicos emissores estrangeiros de bônus em yuans.
A China prossegue a sua marcha batida, e ao que parece, com outros povos amarelos (Japão, Coreias, Vietnam) malaios e hindus, no rumo da supremacia econômica. O poder desloca-se para o Extremo Oriente (do nosso ponto de de vista ocidental de observação).
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