A Rússia não pode ser considerada a única culpada pela situação dos ucranianos e tem o direito de cobrar pelo gás que fornece.
A Europa Ocidental quer fugir do real problema que restou da escalada para tomar as bases russas na Crimeia, usando o caos político ucraniano. A Rússia suspendeu o abastecimento de gás à Ucrânia e pediu providências imediatas para resolver a questão das contas não pagas por Kiev. A Gazprom tem o direito contratual de obrigar a Ucrânia a pagar adiantado pelo fornecimento de gás e “suspenderá total ou parcialmente o fornecimento” caso ocorram novas infrações das condições de pagamento. Não se trata de chantagem, mas de negócios. A Rússia age certo ao convocar os países europeus para solucionar o conflito e formular soluções para estabilizar a economia da Ucrânia e assegurar o trânsito do gás natural por ela “por temer o impacto sobre as receitas geradas pelas exportações e sua reputação como fornecedora”, disse Andrew Neff, analista-sênior da consultoria IHS Energy de Moscou.
A Rússia contesta a visão ocidental da crise, em especial, que a Rússia, e não a Europa, é a responsável pela turbulência econômica por que passa a Ucrânia, “argumentando que os desequilíbrios comerciais com os países membro da UE deixaram Kiev incapaz de pagar suas contas. Desde o primeiro dia da existência da Ucrânia como Estado independente, a Rússia subsidiou a economia ucraniana em US$ 35 bilhões, em preços mais baixos pelo gás e em multas não pagas. Ela deixou de fazer pagamentos regulares pelo gás russo em agosto de 2013 e contabiliza US$ 2,2 bilhões em dívidas em atraso com a Gazprom”, completa Neff.
É hipócrita “responsabilizar unilateralmente a Rússia pelas consequências da crise econômica da Ucrânia” e assistir, impassível, ao colapso das finanças do país. Em vez de oferecer apoio, há apenas promessas de tratados, sem respaldo de qualquer ação concreta.
Os EUA/UE estão constantemente fabricando “inimigos” e “aliados” (para vender armas) e, eventualmente, usá-las contra militares e civis. Faz parte do agir maniqueísta. Primeiro divide-se o mundo entre os bons e os maus. Passam a falar mal dos maus. Depois, tomam-se iniciativas agressivas “contra os maus”, ganhando o apoio da opinião pública. Assim não pensa o ilustre americano Jeffrey Sachs, professor de economia e diretor de The Earth Institute, da Columbia University, e assessor especial da ONU.
Diz Sachs: “Muita gente que se lembra do colapso da União Soviética em 1991 e de suas consequências tumultuadas acredita que a economia da Rússia atual deve ser pobre e instável – e muito atrás da explosiva dinâmica chinesa. Errado. De acordo com o Fundo Monetário Internacional, a renda per capita na Rússia em 2013, medida em termos de paridade de poder aquisitivo, é de aproximadamente US$ 18,6 mil, quase o dobro de renda per capita na China, em torno de US$ 10 mil. E, de acordo com dados do Banco Mundial, a pobreza extrema está perto de zero, em comparação com 9,8% na China. Durante dois anos, fui conselheiro macroeconômico do primeiro-ministro Yegor Gaidar e do ministro das Finanças Boris Fyodorov, tentando ajudar a Rússia a acabar com a inflação elevada e a extrema escassez. Infelizmente, o Ocidente não prestou a assistência financeira necessária, e em consequência disso, a calamidade econômica russa foi mais grave. Revendo o ocorrido, fica claro que também houve estratégia deliberada dos neoconservadores americanos, como o então secretário de Defesa, Dick Cheney, no sentido de debilitar o novo Estado russo. A boa notícia é que a Rússia foi capaz de recuperar-se desses anos terríveis, não graças ao Ocidente ou ao governo dos EUA.
A Rússia também conquistou uma boa medida de estabilidade financeira. O FMI estimou a inflação na Rússia em 6% em 2013, com desemprego de 5,5%, ao passo que o déficit orçamentário foi de apenas 0,3% do PIB. Além disso, as reservas de divisas da Rússia totalizam saudáveis US$ 500 bilhões. A Rússia dispõe do know-how, de engenharia sofisticada e de recursos naturais para tornar-se uma competidora mundial em setores de alta tecnologia, entre eles energia nuclear, aviação comercial, tecnologia espacial comercial (como satélites e GPS), hardware e software para processamento de dados e comunicações, veículos elétricos, trens de alta velocidade, petroquímica e equipamentos pesados para setores de mineração e de hidrocarbonetos, em função do potencial enorme de crescimento da demanda em grandes mercados, como China, África e Índia”. (Valor, maio/2014).
De ver, isso sim, a ascensão dos racistas, nacionalistas, direitistas, partidos anti-imigrantes e eurocéticos nas recentes eleições para o Parlamento Europeu. Nos países, vota-se em partidos que formam os governos. Para o Parlamento Europeu, que toma as decisões para a UE como um todo, o voto é direto. Cada cabeça um voto. Pois bem, a cabeça do eleitor da UE expressou decepção, desaprovação a migrantes, fechamento nacional de fronteiras. A Ucrânia que se cuide.
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