A sabedoria e a política

Segundo Aristóteles, há uma desvantagem adicional à propriedade comum: quanto maior o número de proprietários, menor o respeito à propriedade.

A Grécia antiga pensou praticamente em tudo. Platão disse: “O homem é um animal político” (zoon politikon). A palavra política deriva de polis (cidade). Pensar soluções, conciliar, alcançar o possível estaria no cerne da politika. A sua finalidade é o bem comum. Mas o funcionamento adequado das sociedades exige educação política. Aristóteles criticou Sócrates e Platão, pelo comunismo, vindo da época em que os helênicos viveram no regime gentílico (gens), quando a economia e o casamento eram comunais e o povo, dividido em frátrias, de modo que trouxeram para as cidades-Estado ideias daquele tempo (A origem da família, do Estado e da propriedade privada, de Engels). Sua concepção de povo, nação, Estado, poder e política rima com a modernidade: “Num Estado, ou os cidadãos compartilham todas as coisas, ou nada, ou apenas algumas. É impossível que não devam dividir coisa alguma; no mínimo, partilham o território de um único Estado, do qual são membros. A questão, assim, desdobra-se em duas: se uma cidade é bem governada, é melhor que os cidadãos compartam tudo ou apenas algumas coisas e não outras? É decerto possível, aos cidadãos, partilhar crianças, mulheres e propriedades, como Platão sugere em “A república”. Porque, nesse trabalho, Sócrates propõe que as crianças, as mulheres e a propriedade devam ser de todos, em comum. A proposta de que as mulheres devam ser possuídas em comum apresenta muitas dificuldades, entre as quais as três mais importantes são: a) Sócrates não deixa claro nenhum motivo pelo qual esse costume antigo deva ser parte do sistema social; b) quando vista como meio para alcançar um fim, a proposta é inviável; c) em nenhum lugar é explicada a maneira como a proposta pode ser posta em prática. Refiro-me à seguinte fala de Sócrates: “‘É melhor que o Estado cresça na unidade’. Certamente isso não é verdade. O Estado que se tornar progressivamente uma unidade deixará de ser Estado. A pluralidade, nesse caso, é natural; e quanto mais o Estado se afastar da pluralidade, em direção à unidade, menos Estado será e mais próximo estará de uma família!”.

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“Em que reside o poder supremo do Estado? No povo? Na classe dos proprietários? No bem? Num homem, o melhor de todos? Num homem, o tirano?” / Foto de Image Editor

Aristóteles martela: “Há uma desvantagem adicional à propriedade comum: quanto maior o número de proprietários, menor o respeito à propriedade. As gentes são muito mais cuidadosas com suas próprias posses do que com os bens comunais; exercitam o cuidado com a propriedade pública apenas quando isso as afeta de maneira pessoal. Possuir algum bem causa enorme prazer. O egoísmo é condenado, como convém; ser egoísta, porém, não significa simplesmente amar a si mesmo, mas, sim, amar a si mesmo em excesso. Do mesmo modo, condena-se a ganância, embora todo homem goste de ter seu próprio patrimônio. Além de tudo, existe um grande prazer em praticar a bondade ou prestar ajuda a amigos, ou companheiros, o que só pode ser feito por quem possui propriedades particulares!”.

E vai além: “O corpo de cidadãos é o poder supremo dos Estados. A supremacia pode residir num homem, ou na minoria, ou em todos. Sempre que ou um ou a minoria ou todos governam, tendo em vista o bem-estar comum, essas constituições são justas; mas, se procuram apenas o benefício de uma das partes, seja ela o um, a minoria ou todos, estabelece-se um desvio. Os desvios correspondentes são: da monarquia, a tirania; da aristocracia, a oligarquia; e da politeia, a democracia – porque a tirania é o governo para o benefício de um único governante; a oligarquia, para benefício dos homens de posse; e a democracia, para o benefício dos homens sem posses. Nenhum dos três tem como objetivo o benefício de toda a comunidade”.

“Outra pergunta é: ‘Em que reside o poder supremo do Estado? No povo? Na classe dos proprietários? No bem? Num homem, o melhor de todos? Num homem, o tirano? Suponhamos que o povo seja a autoridade suprema; não seria injusto se a superioridade numérica do povo fosse utilizada para fazer a distribuição dos bens dos ricos? O fato de tal distribuição advir de uma decisão válida do poder supremo tiraria do ato seu alto grau de injustiça? Se a maioria, tendo colocado as mãos em todas as coisas, distribuísse as posses da minoria, estaria, obviamente, destruindo o Estado. Assim, fica claro que esse processo, embora amparado na lei, não é justo. Ou, caso seja, então os atos de um tirano podem ser justos; seu poder superior o capacita a empregar a força, assim como as massas obrigam os ricos a se sujeitar à sua vontade. Além disso, se é justo que a minoria e os mais ricos governem, seria justo que eles roubassem e tomassem os bens da maioria?’ ‘Se for justo, então o primeiro caso também o é.’ A resposta é que essas três hipóteses são más e injustas”. Seriam justas – ele disse no parágrafo anterior – se mirassem o bem de todos!

São trechos de Política, de Aristóteles, de 360 a.C. Palavras de sabedoria e, principalmente, de ética na política.

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