Sacha Calmon
Advogado, coordenador da especialização em direito tributário da Faculdades Milton Campos, ex-professor titular da UFMG e UFRJ
Ruído ou não, represar os preços dos combustíveis na origem é um erro brutal que pode comprometer o valor de mercado da Petrobras
Com a pobreza aumentando, a inflação crescendo, seus índices caindo, Bolsonaro quer fazer o impossível, ou seja, deter os aumentos dos produtos da Petrobras. É o liberal mais intervencionista que jamais se viu. Eis a novela da Petrobras. Um dia depois da decisão do governo de trocar o presidente da Petrobras – o terceiro em pouco mais de um ano –, aumentou ainda mais a percepção de risco do mercado em relação à política de preços da companhia.
Hoje, o Conselho de Administração da petroleira se reúne e o encontro pode ser determinante para definir por quanto tempo a política de preços da estatal se manterá blindada da pressão do presidente Jair Bolsonaro. Por meio da União, como controladora da empresa, Bolsonaro tenta fazer mudanças na companhia para conter os reajustes do diesel e da gasolina em cenário de alta da inflação e de proximidade das eleições, em outubro.
A ação ordinária da Petrobras fechou a R$ 34,40, com queda de 2,85%, enquanto a ação preferencial situou-se em R$ 31,60, recuo de 2,92% sobre a véspera. As medidas do governo para controlar os preços da estatal devem ser alvo de discussão hoje no colegiado da Petrobras.
Na reunião, conselheiros independentes da petroleira vão tentar adiar a convocação da Assembleia Geral Extraordinária (AGE), que será chamada, a pedido da União, para substituir o atual presidente da empresa, José Mauro Coelho, pelo indicado do controlador: Caio Paes de Andrade. A iniciativa, se bem-sucedida, permitirá ganhar até 45 dias de blindagem para a política de preços. Isso porque, ao não colocar a AGE em pauta na reunião do conselho, o ônus da convocação da assembleia seria transferido para a União, que teria de fazê-lo nos próximos dias.
Até a AGE, Coelho permanecerá à frente da empresa, uma vez que ele não renunciou, mas foi alvo de pedido de destituição pela União. Pesou para a demissão do CEO da Petrobras o reajuste de 8,87% no preço do diesel, em 10 de maio do corrente ano.
Um dia depois, Bolsonaro demitiu o então ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque, ao qual Coelho era ligado. Sem um interlocutor no MME, Coelho ficou isolado e distante do novo ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida, ligado ao ministro da Economia, Paulo Guedes, assim como Paes de Andrade.
Paes de Andrade, o indicado por Bolsonaro, consegue preencher os requisitos legais necessários para o cargo. Caberá ao Comitê de Pessoas, ligado ao conselho da Petrobras, fazer a análise do currículo de Paes de Andrade, secretário de Desburocratização do Ministério da Economia. Formado em comunicação social pela Unip, Paes de Andrade informa duas pós-graduações em universidades americanas, Duke e Harvard. Antes de entrar no governo, dirigiu provedores de internet (PSTNET, Web Force Ventures e HPG) e uma plataforma digital para o mercado imobiliário (Maber).
No governo, foi presidente do Serpro, empresa pública de tecnologia da informação, e secretário de desestatização e privatização. Assim como Sachsida, que era secretário de assuntos estratégicos do Ministério da Economia, Paes de Andrade também era subordinado a Paulo Guedes, mas sua adesão ao bolsonarismo antecedeu a entrada na equipe do ministro.
O presidente do Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP), Eberaldo de Almeida Neto, disse que a preservação da prática de preços de combustíveis é importante para manter o mercado abastecido e para a atração de investimentos. O presidente-executivo da Abicom, Sérgio Araújo, disse esperar que Andrade, uma vez aprovado, mantenha compromisso com os acionistas da empresa e com o mercado, acompanhando os preços internacionais. Para a consultoria Control Risks, a nova troca na presidência da Petrobras representa uma escalada na estratégia do governo de interferir na empresa.
O economista-chefe do banco BV, Roberto Padovani, diz que o comportamento dos mercados sugere que estes não estão se movendo em função da notícia: “É claro que tem impacto na bolsa, mas a leitura é que é mais um ruído em um ambiente de muitas incertezas”.
Ruído ou não, represar os preços dos combustíveis na origem é um erro brutal que pode comprometer o valor de mercado da Petrobras. No fundo, é um “roubo” patrocinado pelo governo de Bolsonaro, que se diz, mas não é, um político liberal e do “ramo”. Passou 26 anos como deputado, embora no chamado “baixo clero”. Nunca participou da mesa diretora da Câmara dos Deputados, prova de sua inabilidade política e pouco prestígio.
Depois da canivetada (devia ser um arranhão), logrou ser eleito. Após os presidentes Collor de Mello e Jânio Quadros, qualquer um pode governar este país. Haja vista o atual.
Finalmente, os produtores independentes e importadores ficaram fortemente prejudicados e até inviabilizados pela contenção artificial e oficial dos preços dos combustíveis derivados do petróleo.
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