Ao longo da história, o desígnio divino foi constantemente confrontado e frustrado, daí o “fim dos tempos” com Javé julgando vivos e mortos.
O apocalipse é uma ideia desesperadamente judaica, derivada das seguidas promessas quebradas de Javé a Israel e ao seu povo. Mesmo na Índia, onde ciclos se sucedem por obra do indra purificador, inexiste o apocalipsismo. Herdaram-no o Cristianismo e o Islamismo, que são ramas do judaísmo. A diferença é que, no judaísmo de Daniel, o apocalipse vem para entronizar o Reino de Israel, sob seu Deus Javé, para sempre. O Cristianismo e o Islamismo apegaram-se ao juízo final, mas sem data certa — Cohn diz: (…) “Os escritos mais antigos a que os estudiosos modernos atribuíram o rótulo de ‘apocalipses judaicos’ foram produzidos na Palestina nos séculos 3 e 2 a.C. São obras difíceis, repletas de uma erudição estranha e de um simbolismo complexo. E, embora não haja nenhum indício conclusivo de terem sido compostas em proveito de seitas específicas, as concepções que exprimem sobre o caos, o cosmos e o mundo vindouro não encontraram lugar no judaísmo oficial”.
Por isso, devo acrescentar ao relato de Cohn que o judaísmo dos tempos apocalípticos é muito conflituoso. Há sacerdotes, os levitas, que guardam as tradições dos tempos de Josias; há os essênios: estoicos, ascéticos, ebionistas, a esperar a vinda do Messias; há os zelotes, guerreiros que queriam restaurar o reino davídico; há os fariseus, os saduceus, o rabinato, que concorriam com as autoridades oficiais. Há desencontro e agitação. Prossigamos com Cohn. “O termo grego apokalypsis significa desvelamento, descobrimento — e uma característica comum a todos os apocalipses é o propósito de desvendar aos seres humanos segredos anteriormente conhecidos apenas nos céus”.
Às vezes, tal conhecimento secreto trata do mundo celestial, mas, na maioria das vezes, refere-se ao destino deste nosso mundo. Se o mundo encontra-se na iminência de uma transformação definitiva, isso se deve a um decreto celeste. “Supunha-se que os desvendamentos originais haviam ocorrido muito tempo antes. Os apocalipses trazem nomes de autores, mas são homens santos que viveram, ou acreditava-se que tivessem vivido, em um passado muito distante. Dos Apocalipses, o Livro de Daniel é atribuído a um homem que se supunha ter vivido durante o exílio babilônico do século VI, enquanto o Livro dos Jubileus é atribuído a Moisés e o Enoque a um patriarca do próprio começo dos tempos”…
Não há, nos apocalipses, nenhuma sugestão de que os seres humanos possam, por sua obediência ou desobediência, alterar a forma dos acontecimentos futuros. O futuro está determinado; na verdade, seu curso já está inscrito em um livro celestial. E seu resultado será diverso de tudo o que havia sido indicado pela profecia clássica. “Haverá um julgamento final. Haverá uma vida após a morte na qual os seres humanos, inclusive os mortos ressurretos, irão receber as recompensas e as punições justas. E, se alguns seres humanos serão transformados em anjos, outros serão condenados ao tormento eterno”. Não há saída, está tudo predestinado, não há lugar para a terra no universo, por causa dos judeus. Tudo isso é explicável pelo desespero judaico a quem Deus tudo prometeu e nada cumpriu. A solução era acabar o mundo, já que o Messias prometido nunca chegava e já haviam se passado longos séculos do aniquilamento dos reinos de Israel e de Judá.
Cohn disserta: “No mundo helenístico havia um ressentimento muito difundido contra o domínio estrangeiro, ressentimento que, por vezes, encontrou expressão na profecia. No Egito, a Crônica demótica e o Oráculo do oleiro, duas profecias de emancipação política compostas sob o domínio grego, foram ambos disfarçados para que parecessem ter sido escritos durante o reinado de Faraós havia muito desaparecidos. O Oráculo de Hystapes, persa, também prevê a emancipação política, desta vez, do domínio romano que havia sucedido o grego – e esse Hystapes é ninguém menos do que Vishtaspa, o patrono de Zoroastro”. É como se os povos das nações conquistadas se voltassem para um passado distante em busca de forças para enfrentar um presente e um futuro que não tinham meios de influenciar. Roma parecia eterna.
A visão de mundo que oferecem os apocalipses é tanto dualista como escatológica. Ao longo da história, o desígnio divino foi constantemente confrontado e frustrado, daí o “fim dos tempos” com Javé julgando vivos e mortos. A pregação de Jesus não escapou à tradição. Acreditava no fim dos tempos. Por isso só lhe importava o “Reino dos Céus, a casa do Pai”. Mas nada aconteceu, depois que os romanos no primeiro século da era comum destruíram o templo de Jerusalém e a incendiaram, dispersando os judeus mundo afora, até que o brasileiro Osvaldo Aranha, na Organização das Nações Unidas (ONU), na undécima hora, recriou o Estado de Israel, dois milénios depois. Desde então, os rabinos mudaram o judaísmo, tornando-o rico em sabedoria, e regras de vida, sem profetas, oráculos e o horror do fim da vida do planeta por obra de Deus.
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