Um dragão pré-histórico assombra o Brasil: a inflação. É certo que Brasil e Argentina viveram dolorosas experiências inflacionárias. Desprezível o fator psicológico não é, pois pode desencadear a corrida insana entre preços e salários, a ponto de os economistas a terem batizado de inflação inercial (carry over). O Brasil – diferentemente de outros países que foram vitimados por ciclos agudos de inflação, como a Alemanha (duas vezes) e a China – mantém institutos que somente se justificariam em caso de inflação galopante, como a correção monetária de ativos, tributos, salários e contratos. A correção monetária perpetua a inflação. Em lugar dela já deveríamos ter a repactuação das obrigações, como ocorre no resto do mundo, daí essa coisa idiota de fixar metas para a inflação, sob a pressão de preços administrados com índices de IPCA e IGPM: tarifas de energia, água, telefone, pedágios etc. e sem expurgar os fatores sazonais (preços do petróleo e outras commodities, bem como os alimentos). Os Estados Unidos minimizam ditos preços dos núcleos inflacionários, vez que – sem que se tenha sobre eles controle – afetam os índices aleatoriamente e os falseiam, gerando equívocos na calibragem dos juros primários pelos bancos centrais.
O Banco Central (BC) brasileiro errou mais uma vez. Henrique Meirelles, seu presidente, bem se parece com Alan Greenspan, ex-presidente do Federal Reserve. Foi ele endeusado até mais não poder pelos monetaristas fanáticos e seus seguidores desmiolados. Hoje é corresponsabilizado pela crise norte- americana. O BC brasileiro errou ao achar que a recomposição dos estoques e a recuperação da atividade em 2010 – depois do monumental tombo de 2008 (3º trimestre) e 2009 (primeiros trimestres) – simbolizavam notável retomada da inflação. Erro crasso. A ata recente do nosso BC, um mês depois de rugir como fera, reconhece que os seus críticos tinham fundamentos. Dizia-se que a subida da inflação era eventual e não se manteria, afigurando-se como precipitado aumentar 0,75 ponto percentual a taxa Selic quantas vezes quisesse. O BC deu a entender que seriam quatro subidas. A ata também fala do cenário externo. Ora essa, quem não sabia que tanto os EUA quanto a Europa, depois de endividarem-se até o pescoço injetando liquidez na economia, teriam pelo menos uns 36 meses ou mais de baixo crescimento, ou nenhum, e evidentes deflações, pela redução óbvia da procura? Tomara que logo mais se responsabilize o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC pela freada do crescimento, levado pela paranoia da inflação, a praticar os mais altos juros primários do planeta, uma insanidade mais do que irresponsável, de supostos experts, nem sequer eleitos pelo povo, com a complacência do Congresso Nacional e do presidente da República.
Achar que a Europa ficaria bem na foto e que os EUA cresceriam 3,5% em 2010 foi erro brutal. É claro que nessas zonas econômicas o consumo ficará protraído por dois motivos: o endividamento das pessoas e famílias empobrecidas pela crise e pela inevitável redução do emprego – 10% do População Economicamente Ativa (PEA). As indústrias estão com uma enorme capacidade ociosa e estocada. Empregar para quê? Aumentar os prejuízos? O dólar, que poderia incrementar a exportação dos EUA, valorizou-se perante o iene, o iuan e o euro, nos principais mercados. Sobraram os pequenos mercados (América Latina, África e Oriente Médio). A Europa do euro, que não tem senhoriagem para emitir dólares – que são a moeda universal (ainda) –, teria mesmo que fazer seu ajuste fiscal depois da gastança dos governos, para evitar o colapso da economia e a depressão. Com o ajuste, os resultados só poderiam ser a deflação e a recessão, posto que sob controle. Então, por quais cargas d’água a inflação iria acelerar-se no Brasil? Muito ao contrário, a tendência era de acomodação depois da retirada dos incentivos.
A capacidade ociosa ainda está no nível de 2008 e o que falta é mão de obra. Portanto, o incremento do investimento acima dos níveis de 2008 demonstra que voltamos ao normal. Apenas isso, o que, de resto, é bom, pois evita a inflação de procura. E, graças à China, mesmo crescendo a 9% ao ano e não 11%, as exportações de primários continuarão firmes, a permitir a importação de máquinas e matérias-primas (mais investimento e contrapressão ao aumento dos preços dos insumos no mercado interno em expansão). Para que juros altos? Ou o Brasil acaba com a paranoia da inflação ou a paranoia da inflação acaba com o Brasil. Quem pensa em investir em produção se retrai e vai ganhar dinheiro de graça no mercado financeiro. O BC patrocina insegurança, medo e bons juros para os rentistas. Ruim para o Estado, que os remunera. Quanto maior a Selic, maior o custo de carregamento da dívida pública, algo em torno de R$ 190 bilhões/ano. Dessa despesa os monetaristas nem sequer falam, apenas dizem que é um mal necessário. Pois sim!
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