Nossos legisladores se acovardam ante temas como o aborto, o casamento homoafetivo e a morte assistida
Depois das extraordinárias campanhas de Martin Luther King e Nelson Mandela pelos direitos civis nos EUA e África do Sul, a luta pela igualdade espalhou-se mundo afora, até mesmo nos fechados e ditatoriais regimes islâmicos. Em todos os movimentos o norte axiológico é a igualdade. Por ela pugnam as mulheres, os cidadãos eleitores, as minorias religiosas, étnicas e sexuais.
No Brasil, especialistas em direito de família alertam para as alienações parentais. A urbanização acelerada desagregou famílias vindas do campo e desordenou a vida familial de um modo geral, mormente nas periferias. Alcoolismo, drogas, estupros, violência masculina contra as mulheres, ignorância, ausência de valores éticos, dependência econômica e, sobretudo, a impunibilidade e falta de uma rede eficaz de proteção tornaram a família um local de violência no Brasil. Uma coisa é a família ideal, outra a real, onde o que mais falta é amor, afeto genuíno e responsabilidade. Os cultos religiosos procuram estabilizar as relações familiares mas são dogmáticos de um tempo superado, em que a mulher era submissa ao “chefe da família”.
Fala-se agora de pesquisa feita nos EUA, na Califórnia, sobre jovens adultos, filhos legítimos ou adotados por dois grupos de pais: hétero e homossexuais (de ambos os sexos). Teria sido constatada igualdade e ligeira vantagem (sem influência na orientação sexual) para os filhos de casais gays, talvez por se preocuparem mais com a prole que o tradicional casal hétero. Os resultados – se confiáveis – levam de roldão os movimentos católicos e laicos, porém conservadores franceses que lutam pelo trio: pai, mãe, filhos, rejeitando o casamento e a adoção por parte de casais gays, prejudiciais à educação das crianças, do ponto de vista psicológico.
De minha parte, desde a leitura do livro A origem da família, do estado e da propriedade, de Engels, esforçado nos estudos familiais ao longo da história humana do americano Lewis Morgan, acho especiosa a “sacralização” do matrimônio indissolúvel, essa sim, verdadeira aberração, sem razão de ser. Quem não se recorda da luta indormida do senador Rui Carneiro, da Bahia, depois pelo Rio de Janeiro, em prol do divórcio no Brasil? Os argumentos eram os mesmos, de um lado o bem, os bons costumes, a palavra de Deus; do outro o demo, a anarquia, os maus costumes. Duvido que Cristo tenha sido legislador, e com certeza algum leguleio botou nos lábios de Jesus a fala cuja autenticidade muitos estudiosos duvidam: “O que Deus uniu ninguém separa.” (casamento indissolúvel). O mundo antigo, patriarcal, misógino, tornava a mulher submissa. O judaísmo, cultura na qual Jesus viveu, não era exceção à regra, pelo contrário. Não havia clima para o casamento monogâmico único e indissolúvel.
A luta pela igualdade está no centro dos direitos humanos fundamentais. A igualdade junta os homens na liberdade, na dignidade, na dor e no prazer. A vida de crianças, velhos, mulheres e civis atingidos por bombas lançadas por islamitas, israelenses ou americanos sobre chiitas no Iraque ou a população no Afeganistão, em Gaza, no Paquistão ou em Boston, têm igual valor. É a mídia ocidental que desiguala a vida de um menino afegão ou árabe da vida de uma criança norte-americana. O sangue e a dor são iguais. E todos têm direito à felicidade, à paz, ao amor e ao prazer (que deve ser valorizado no corpo e na alma). A luta dos homossexuais pelo casamento chegaria a ser piegas, não fosse o desejo de ser igual perante às leis do Estado, esse sim um valor universal.
Vivemos uma época de intensas mutações. O mundo daqui a 50 anos será muito diferente. O Estado e a família terão passado por surpreendentes transformações. Na Alemanha já existem contratos de casamento a prazo certo e prorrogáveis. Espero que a educação geral e a tolerância saiam vencedoras, a bem de uma humanidade menos repressora e mais feliz. No Brasil, ao contrário do Uruguai, Argentina, Portugal, Espanha, EUA e agora a França, os políticos sonsos não querem enfrentar questões sociais agudas como o aborto, o casamento homoafetivo, a morte assistida (o direito de morrer com dignidade), além de outros temas.
Aqui, o Supremo viu-se obrigados, a tomar a frente na interrupção da gravidez dos fetos anencéfalos, e o Conselho Nacional de Medicina decidiu a liberação do aborto até a 12ª semana de gravidez, quando perigosa à vida da mulher. Omissão legislativa é o nome dessa covardia cívica dos nossos legisladores. Eles devem liderar, debater e convencer em vez de se esconderem como poltrões. O desastrado Feliciano ao menos assume o que é: um fundamentalista evangélico, à moda americana. O problema no Brasil é que as pessoas não discutem seriamente, como eleitores, os problemas comuns a todos, obrigando os partidos a regulá-los. Com isso a sociedade fica conflitiva, levando o Judiciário a suprir a omissão legislativa.
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