Sacha Calmon
Advogado, coordenador da especialização em direito tributário da Faculdades Milton Campos, ex-professor titular da UFMG e da UFRJ
Com 215 milhões de habitantes, não nos interessa de jeito nenhum aumentar a população, mas, sim, a produtividade e a inovação
Os leitores do Eu& de 19/2 (O Valor) não deixaram de ficar surpreendidos. Fala-se muito em política e “ismos”, quando o importante é o crescimento econômico e a melhor distribuição de renda possível.
Nos últimos 40 anos, a renda per capita no Brasil cresceu a apenas 0,72% anuais, em comparação com 4,5% que marcaram o período entre 1950 e 1980. A oscilação desse dado, de década a década, chama a atenção. Os anos 1980 acrescentaram apenas 0,35% por ano; a década seguinte apresentou uma melhora, com 0,82%, seguida de outro salto, para 2,48%, no primeiro decênio deste século. Na catástrofe da década passada, o índice anual médio ficou negativo em 0,53%. A morosidade prolongada do desempenho econômico, apesar dos surtos periódicos de avanços, o controle da inflação e o combate à desigualdade, conduz à pergunta: perdemos a capacidade de crescer?.
O caso brasileiro dá razão ao cientista político australiano Geoffrey Garrett, que em 2004 falou de uma “área central vazia” da globalização. Na economia em escala planetária, só têm sucesso dois grupos de países, argumentava Garrett: de um lado, aqueles capazes de competir na fronteira da economia do conhecimento; do outro, os que têm mão de obra extremamente barata e podem oferecer produtos de pouco valor agregado a baixo custo. Países com renda média seriam, portanto, os maiores perdedores
Dois anos mais tarde, o fenômeno recebeu um nome: “a armadilha da renda média”. Quem o batizou foi um par de economistas do Banco Mundial, Indermit Gill e Homi Kharas, a partir de estudos sobre um fenômeno que ocorria na Ásia. Com o crescimento acelerado das exportações industriais da China, país cujos salários, àquela altura, eram baixos, alguns vizinhos tinham dificuldade de competir. Era o caso das Filipinas, Malásia e Indonésia. A dupla calculou que a situação acometia países com renda média entre e US$ 1 mil e US$ 12 mil. O Brasil está fora dessa escala.
A armadilha de renda média tem fundamento histórico. Refere-se a países que não caíram em outra armadilha, a da pobreza. Partiram de condições de renda baixa, com economias pouco sofisticadas, mas avançaram para a posição de renda média porque fizeram o chamado “correndo atrás” do desenvolvimento, já alcançado pelos mais ricos. Ao mesmo tempo, a qualificação das empresas e dos trabalhadores não subiu o suficiente para uma competição com as economias mais fortes.
O cientista político Antonio José Junqueira Botelho, do Instituto de Estudos Universitários do Rio de janeiro (Iuperj), aponta que muitos países passaram pelo “catch-up” no século passado, mas poucos conseguiram evitar a armadilha da renda média. Segundo o Banco Mundial, os que conseguiram foram alguns países asiáticos, como Japão, Cingapura, Coreia do Sul, Taiwan, e europeus favorecidos pela entrada na União Europeia, como Espanha, Portugal e Irlanda, totalizando não mais que 15 economias.
Um dos elementos centrais desse período foi a industrialização, que transferiu muito capital e mão de obra do setor primário para o secundário, tornando camponeses que agregavam pouco valor em operários mais produtivos. Foi a era de ouro da substituição de importações, em que o Brasil teve destaque, e da urbanização. Da década de 1930 até o fim dos anos 1970, o país se tornou majoritariamente urbano, desenvolveu indústrias pesadas e passou a exportar manufaturas.
Mas a substituição de importações não pode ser o motor do desenvolvimento indefinidamente. A transferência de mão de obra do campo para as cidades e indústrias também se esgota. A partir de então, torna-se necessário crescer por meio de ganhos de produtividade e inovação, a ponto de competir com os países mais ricos, que detêm trabalhadores qualificados, capital em abundância e produção na fronteira tecnológica.
Se formos comparar à Coreia do Sul e mais significativamente à China no ano de 1951 – ou seja, 71 anos atrás –, nos certificamos de que o PIB “per capita” da Coreia do Sul, um país pequeno, hoje é três vezes superior ao nosso. Agora, se nos comparamos à China o desastre é total, pois é ela grande como nós, grandes distâncias e muita gente (1,380 bilhão de almas). O PIB total da China está se aproximando rapidamente do norte-americano. A política do filho único foi abolida – já se pode ter até três. Os casais só querem dois. Sobram habitações (lembrar a crise da construtora Evergrande).
Mas como sair da “armadilha da renda média”? Com 215 milhões de habitantes, não nos interessa de jeito nenhum aumentar a população, mas, sim, a produtividade e a inovação! Educação geral, trabalho duro (mentes educadas e criativas) e produzir mais com menos é o nosso grande desafio. A alternativa é ser eternamente um país de renda média, violento e desigual. Nosso PIB patina em US$ 1,6 trilhão . Está ouvindo, Lula?
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