Precisamos liderar o continente pelo exemplo democrático e pelo poderio econômico sem condescender com experiências totalitárias.
De há muito queria falar das ambiguidades da política internacional e do jogo geopolítico atual. Causa-nos um sentimento de exagero a “demonização” do Irã como “Estado pária”, a colocar em insegurança o mundo ocidental por causa de seu programa nuclear. O exagero roça-nos a consciência quando se alardeiam ataques destruidores ao país ou quando se anuncia construir um escudo antimísseis na Polônia – para cá da Rússia – para proteger a Europa. Então o Irã, além de atacado e destruído, vai bombardear atomicamente a Europa Ocidental passando por cima de toda a Europa Central? Ou são os mísseis e ogivas atômicas da Rússia e seus antimísseis – existentes e testados – que se quer deter?
Vamos além. À Rússia, hoje capitalista – e queiram ou não, democrata em maior ou menor extensão –, interessa vender petróleo e gás à Europa e dela receber investimentos, sendo inverossímil um ataque russo contra a Europa ocidental à falta de motivos que o justifiquem. Voltando ao Irã, tampouco vemos perigo à existência do Estado de Israel, que é mil vezes mais poderoso belicamente e conta com formidável armamento atômico, além de estar entremeado, dentro de si próprio e à sua volta, por milhões de seres humanos muçulmanos. Impensável seu bombardeamento eficaz.
Um Irã dotado de energia nuclear, não necessariamente dotado de artefatos atômicos, desequilibra o balanço de poder na Eurásia, daí a oposição que lhe é feita em nome da política de não-proliferação de armas atômicas. Mas falta sinceridade nesse jogo. A hipocrisia vem à tona quando nem os EUA, nem o Ocidente – contrariamente ao que ocorre com a Coreia do Norte – se alarmaram, nem condenaram, nem censuraram o lançamento do míssil intercontinental da Índia, capaz de atingir Pequim e Xangai. Aliás, os EUA e a Índia assinaram há dois anos um acordo de cooperação no campo nuclear.
Agora o Ocidente tem no seu clube atômico bélico os EUA, o Reino Unido, a França, Israel e Índia. Alemanha e Japão estão proibidos de terem armas atômicas. A Índia é vizinha da China, a superpotência emergente. Em maio, a Marinha nuclearizada americana faz manobras conjuntas com as Filipinas no mar da China. Não tenho conhecimento de belicosidade contra outros países por parte da China, a não ser na vindicação da ilha que sempre foi sua desde seis mil anos (Taiwan), a quem interessa, a médio prazo, uma união com o colosso chinês, à moda de Hong Kong.
Esses movimentos de cerco à China e à Rússia induzirão a aproximação do grupo euro-asiático: Rússia – que vai do Báltico, no Atlântico Norte, até as suas ilhas ao norte do arquipélago japonês –, Cazaquistão, Irã (melhor quando livrar-se do regime xiita teocrático) e, finalmente, a China. De outra feita, já dissera que o jogo geopolítico do século 21, envolvendo água, recursos naturais, espaço geográfico e grandes populações, seria jogado em três sítios, um no Oriente Próximo (enquanto o seu petróleo valer a pena), outro no espaço imenso entre a Europa e o extremo Oriente (Eurásia) e, finalmente, no mar da China. Para o complexo industrial-militar americano esse jogo significa faturamento de trilhões de dólares.
Com a indústria do petróleo ficou a política de explorar óleo no Alasca e na costa leste da América do Norte e o esforço por fontes alternativas. As guerras sujas no Oriente Próximo chegaram ao fim. As bases no Iraque e na península arábica são suficientes para garantir interesses americanos na região. Arrochar o Irã é tendência imodificável, a menos que este, como fizeram Brasil e Argentina, renuncie a possuir armas atômicas (mas em troca de um pacto de não agressão por parte do Ocidente e de Israel). E olhe lá!
Nesse quadro, o lado Atlântico da América do Sul foi entregue ao Brasil, bem como sua presença na África confrontante. É-lhe reconhecido o travamento da corrida nuclear no Cone Sul (acordo Brasil-Argentina de renúncia recíproca às armas atômicas), bem como a liderança na preservação da Amazônia e do meio ambiente. Nos interessa policiar o Haiti e patrulhar a costa do Líbano? Claro que não.
O que fizemos ao Paraguai? Não manda a nossa Constituição a não intervenção nos assuntos internos de outros países? Não é essa a desculpa para tolerar tiranos em Cuba, na Venezuela, Equador e Argentina? Péssima diplomacia a de suspender o Paraguai da Unasul e do Mercosul. Não lideramos, fomos levados de roldão. Os EUA se fizeram presentes. Ofereceram tratado de livre comércio ao Paraguai em troca de base militar no coração do cone sul. De patriota o chanceler tem só o nome. Precisamos liderar o continente pelo exemplo democrático e pelo poderio econômico sem condescender com tiranias e experiências econômicas totalitárias, que sabemos ser ruinosas e passageiras. Com isso nos apresentaremos ao mundo com naturalidade. O resto virá por acréscimo.
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