Vale reorganizar o ICMS, proibindo renúncias unilaterais e tornando-o devido no estado consumidor.
Quando o Código Tributário Nacional (CTN) veio a lume, vigia a Constituição de 1946, modificada pela Emenda 18, imposta pelo regime militar, depois do golpe de março de 64. É entre a derrocada do regime constitucional de 46, portanto, após a era Vargas, e a Constituição de 67, que surge o CTN, afeito à federação e à principiologia jurídico-tributária já antevista na Emenda 18, redigida por juristas liberais, por delegação do marechal cearense Castello Branco, entre eles Gilberto de Ulhôa Canto, Rubens Gomes de Sousa e o mineiro Gerson Augusto da Silva. O golpe de 64 não produziu um código fiscalista e centralista. Ao contrário, nos deu um código federalista e submisso aos princípios jurídico-tributários graças à personalidade culta do marechal Castello Branco. É curioso como – em matéria tributária – um regime autocrático produziu um código democrático, em vigor até hoje.
Desejamos no momento desenvolver a competência do estado membro da federação para manejar incentivos fiscais e financeiros relativos ao ICMS, pano de fundo da guerra fiscal. Antes da Emenda 18 os estados cobravam um imposto cumulativo sobre vendas e consignações. A partir da Emenda 18 e do CTN passaram a cobrar o ICM, depois ICMS, sobre circulação de mercadorias e serviços de transportes e comunicações, de base ampla pela absorção dos impostos únicos federais (combustíveis, energia elétrica e sobre minerais) de feitio não cumulativo. Houve discussão quanto a atribuir aos estados um imposto que difunde seus efeitos sobre todo o território nacional, com reflexos na importação e exportação de bens e serviços. Deveria ser a União (no mundo inteiro, nos países adotantes da federação, o imposto é nacional).
A urgência, pressões políticas, a falta de um rearranjo distributivo fizeram com que os estados ficassem com o ICM nas operações internas e interestaduais, um erro catastrófico, porque o imposto é neutro, visa à capacidade contributiva do consumidor, não se presta às políticas de renúncias fiscais para atrair investimentos. Adotaram-se então duas regras restringindo a competência dos estados vigentes até hoje, com ligeiras modificações. Dispõe a Constituição competir à lei complementar, no artigo 155, parágrafo 2º, XII, g , regular a forma como, mediante deliberação dos estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados. Vale dizer, para exonerar o ICMS é necessário o consentimento de todos os estados, em convênios, já que a Lei Complementar nº 24/75 aduz no seu artigo 1º: “As isenções do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias serão concedidas ou revogadas nos termos de convênios celebrados e ratificados pelos estados e pelo Distrito Federal, segundo esta Lei”.
No fundo, desejou-se um imposto neutro, mas a fórmula não tinha como funcionar. Os estados passaram a dar reduções da base de cálculo e créditos presumidos unilateralmente em regulamento e regimes especiais, por conta própria, fiados na teoria da aparência: o ICMS continuava a ser destacado nas notas fiscais e transferido o seu ônus a contribuintes sitos noutros estados, que passaram a recusá-los (guerra fiscal). Contra essa situação caótica vale reorganizar o ICMS, uniformizando-o e proibindo incentivos unilaterais, tornando-o devido economicamente no estado do consumidor, (o imposto é sobre a renda gasta no consumo de bens e serviços), restando ao estado da origem de 4% a 2% do montante exigido no ciclo de circulação. Sempre achamos – está no meu Curso de direito tributários, 11ª edição – que o ICMS é neutro, incompossível com políticas desenvolvimentistas à base de renúncia fiscal.
Lado outro, sempre achamos que as restrições aos incentivos financeiros dos estados ferem a autonomia deles (programas de financiamento ao pagamento do ICMS, empréstimos a juros subsidiados, assunção de despesas relativas a custos como eletricidade e logística, dação de lotes ou galpões voltados à mercancia etc.) É que nesses casos – com transparência orçamentária – os estados gastam (despesa e não receita) para prover seu crescimento econômico. A estrutura do ICMS não é mexida.
Reza a Constituição que é objetivo nacional reduzir as desigualdades regionais. Um caso emblemático é o do Espírito Santo, que há décadas estabeleceu o Fundap para incentivar a fixação de estabelecimentos importadores em seus portos, basicamente o de Vitória, financiando em 2/3 o ICMS pago e cuja receita responde por 25% da economia capixaba. Se o programa Fundap não tocar na estrutura do ICMS (o “se” aqui importa), não vejo como apodá-lo de inconstitucional. Alega-se que Santa Catarina, Paraná, Espírito Santo e mais 10 estados (portos secos e molhados) estão reduzindo o ICMS de produtos importados, barateando-os contra os interesses da federação. Isso, sim, é intolerável e inconstitucional.
Faça seu comentário