É impossível não manter o poder de compra dos juízes, já corroído, na média, em 36% no espaço dos cinco últimos anos. Esse aviltamento remuneratório é perigoso.
Sobre a Eliana Calmon falarei em seguida para apoiá-la. O Judiciário brasileiro, a começar pelos ministros da Suprema Corte e ela própria, há 24 meses, recebem a mesma remuneração, não tiveram sequer a reposição da inflação. Nesse período, o Executivo Federal se aumentou várias vezes em seus setores mais significativos e o Legislativo triplicou seus ganhos em todos os níveis de governo. Nesses 24 meses, todos os sindicatos negociaram com o setor privado acordos com ganhos reais (inflação passada mais acréscimo real).
Os aluguéis, as tarifas de água, escolares, de transporte, energia, pedágios, os preços administrados foram aumentados segundo os respectivos índices de reajuste. Os preços livres, como os da alimentação, serviços pessoais e alimentos, subiram. O salário mínimo está indexado pela inflação do ano findo mais crescimento do PIB do ano a ele anterior. Entretanto, desrespeitando a constitucional separação dos poderes da República, independentes e harmônicos, mandou-se excluir do orçamento a reposição dos vencimentos dos juízes, como se eles não existissem, como se nem tivessem família e despesas. Até onde a memória alcança não me lembro de tamanho disparate.
Alertado sobre o despropósito, enviou o governo adendo orçamentário ao Congresso Nacional, o mesmo que se farta com o dinheiro público. Pela boca do líder do governo na Câmara dos Deputados ouvimos não haver espaço no orçamento para um gasto de R$ 7 bilhões (custo da reposição total da inflação nos vencimentos dos juízes do Brasil, com todas as suas repercussões). Nesse dia a presidente liberava R$ 1,8 bilhão em emendas parlamentares para acalmar a fome de benesses da base. União e estados, em 2011, arrecadarão por volta de R$ 1,360 trilhão. Para aquilatar quão ínfimos são os R$ 7 bilhões para o Judiciário, basta dizer que nos 12 meses vencidos o tesouro nacional pagou – para rolar a dívida pública – cerca de R$ 206 bilhões em favor dos detentores de títulos públicos, especialmente instituições financeiras.
É impossível não manter o poder de compra dos juízes, já corroído, na média, em 36% no espaço dos cinco últimos anos. Esse aviltamento remuneratório é perigoso. A uma, afasta os futuros juízes competentes e honestos. A duas, desestimula os bons juízes em atividade. A três, atrai alguns a se corromperem e excita corruptos a se tornarem juízes. A aguerrida e destemida Eliana Calmon, cujas sentenças enalteço e cujo livro de receitas de cozinha muito aprecio, tem toda a razão. Um juiz corrupto é pior do que mil políticos safados. Por mais essa os juízes devem ser remunerados à altura, que deputados e senadores ganham três vezes mais (e alguns são bandidos).
Essa situação dos juízes afronta a Constituição. São direitos fundamentais da sociedade civil o duplo grau de jurisdição (para evitar erros, a decisão de cada juiz é revista, no mínimo, por três sobrejuízes nos tribunais), a inamovibilidade (o juiz não pode ser removido da jurisdição, contra a sua vontade, para evitar satisfazer o poder político local), a vitaliciedade (o juiz, salvo crime, após o devido processo legal, não pode ser demitido de suas funções), e, finalmente, a irredutibilidade de seus vencimentos, para ser independente e não ficar à mercê dos poderes políticos (o Executivo e o Legislativo), em prol dos justiçáveis. No entanto a situação vexatória em que se encontra agora, de pedinte e de insensível aos reclamos da austeridade, é culpa do próprio Supremo Tribunal Federal (STF).
No passado em encerros de questão posta à sua apreciação perguntou-se se a garantia da irredutibilidade era real ou nominal e se lhe cabia decidir sobre seus proventos quando corroídos pela inflação, como ocorre nos Estados Unidos. Pois bem, o STF respondeu que a irredutibilidade era nominal. Só não podia o Congresso diminuir seus proventos nominais e que não competia a ele, Poder Judiciário, repor a inflação para manter o poder de compra dos juízes, função do Legislativo. Ao Judiciário caberia somente fazer seu orçamento. Espero que em futuro próximo, quando a questão novamente se apropositar, o STF de hoje se faça respeitar, como predica a Constituição da República, para livrar-se dos poderes políticos. A Suprema Corte americana resolveu o assunto no século 19. A côrte verifica qual foi a inflação do ano e notifica o secretário do Tesouro, que autoriza a reposição. Eles sabem o que significa irredutibilidade, são pragmáticos e reverenciam a Constituição. A prática tornou-se tradicional, sem arrimo de lei. Vem de uma compreensão conjunta sobre o significado da garantia constitucional.
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