Opinião
Estão por vir civilizações mais gentis, menos repressivas, mais igualitárias e refinadas espiritualmente.
Há 10 anos, em 11 de setembro, as torres gêmeas de Nova York foram barbaramente derrubadas, trazendo os horrores da guerra para o coração dos EUA. Os sofrimentos foram tantos que nos comovemos com as perdas de vidas inocentes, nos pusemos no lugar dos seus parentes. O aspecto cinematográfico da cena concorreu para o transe. Foi algo terrível, seja qual for o ângulo de visão do espectador. Quanta insanidade neste mundo que se diz religioso. Contudo, logo após Bin Laden dizer que a partir de então os americanos poderiam aquilatar melhor o sacrifício de civis inocentes e até mesmo antes do seu dizer, mas provavelmente pela mesma razão, grupos radicais em vários lugares do mundo islâmico comemoraram o desmonte. Ao cabo o ódio, o medo, a inveja e o amor são os quatro gigantes da alma humana. Esses titãs espirituais constroem as tragédias do viver e do conviver. Entre os quatro só o amor constrói, patrono que é do perdão, da solidariedade e da compaixão. Não foi a primeira, nem a última matança por razões econômicas, étnicas, religiosas ou políticas. Recordemos o genocídio armênio pelos turcos, a matança de judeus pelo nazismo alemão, os massacres de Sabra e Chatila, de Gaza, patrocinados por Israel. As desnecessárias, por mais que se negue, bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki, a destruição pelos japoneses dos diques do Rio Amarelo para afogar centenas de milhares de civis chineses durante a invasão nipônica, bem como os estupros e escravização sexual das coreanas. Fiquemos por aqui.
Ação e reação são as molas da vingança. Pois não é que a mesma comemoração pela queda das torres por alguns muçulmanos repetiu-se entre os cristãos nos EUA quando se anunciou o espetacular assassinato de Bin Laden e de sua família? A celebração da morte equivale a ódios atávicos. Em livro sobre a mitologia judaico-cristã procurei mostrar quão bárbara é a civilização ocidental e quão primitivos são os humanos em qualquer latitude. Morgan, antropólogo de Nova York, divide os últimos 100 mil anos da história em sete períodos: 1ª, 2ª e 3ª etapas da selvageria (70 mil anos); 1ª, 2ª e 3ª etapas da barbárie (20 mil anos) e concede ao período dito civilizado, a começar pelos sumérios, os últimos 10 mil anos. Penso que vivemos, isto sim, a 1ª etapa da civilização, com resquícios do barbarismo que lhe antecedeu. Estão por vir civilizações mais gentis, menos repressivas, mais igualitárias e refinadas espiritualmente.
A televisão brasileira tem levado ao ar excelentes coberturas do 11 de Setembro. Quatro episódios me chamaram a atenção. Primeiro: o avião presidencial ficar voando a esmo por determinação de Condoleezza Rice, achando que o ataque partira da Rússia. Chegou a ligar para Putin e, diante da solidariedade dele, ela, sapiente, concluiu que a guerra fria terminara naquele dia. Foram mudados os protocolos militares. Fiquei entre incrédulo e abismado. Até o 11 de Setembro os EUA ainda orientavam a sua estratégia de retaliação pelos tempos da guerra fria. Segundo: em entrevista a Geneton Moraes, um soldado da infantaria diz que lhe ensinaram a considerar os iraquianos terroristas ou protetores deles e arrematou – já agora um pacifista engajado – que foi para o Iraque para mudá-lo, mas foi o Iraque que mudou a sua vida! Hoje se sabem as barbaridades e torturas praticadas pelas tropas de ocupação no Afeganistão, no Iraque e nas diversas prisões americanas, inclusive a de Guantánamo, em Cuba, com o conhecimento e até o incentivo de Donald Rumsfeld e do próprio presidente Bush. O Iraque foi invadido, por vingança e para assegurar lucros e testes ao complexo industrial-militar dos EUA e garantir o suprimento de óleo.
Terceiro: uma mãe americana, cujo filho trabalhava justamente no andar onde o avião entrou na segunda torre, depois de muito meditar, foi para o Afeganistão, onde fundou uma instituição de ajuda às mães que tiveram seus filhos, civis e inocentes, mortos pelas tropas americanas. Após ouvi-la e sua notável compaixão ativista, tive um sono reparador. Acordei cantarolando Gilberto Gil: “Uma bomba sobre o Japão, fez nascer um Japão na paz”. Que o 11 de Setembro estimule a paz e o respeito, jamais a guerra, a destruição, a vingança, a vileza e o ódio entre os homens. Quarto: Obama está certo em querer explorar petróleo no Ártico e na plataforma atlântica, além de incentivar fontes energéticas alternativas. É a dependência do petróleo do Oriente que gera a política de força naquela parte do mundo, de fora a tolice de envolver-se no Afeganistão e no Paquistão no encalço de Bin Laden. Viu-se que a inteligência funcionou mais que o faroeste texano dos republicanos.
O 11 de Setembro não pode servir de pretexto para odiar mais e amar menos. A Somália, onde não há petróleo, mas seres humanos morrendo de fome, na pior seca do século, agradeceria a organização de nossa solidariedade. Não se organizam guerras?
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