Sacha Calmon
Advogado, coordenador da especialização em direito tributário da Faculdades Milton Campos, ex-professor titular da UFMG e UFRJ
Diego Viana nos brinda com sua análise. “Os mercados apresentam novo perfil nas bolsas, enquanto as empresas-símbolos do mundo digital tiveram quedas consideráveis, os nomes mais tradicionais da antiga economia do petróleo trouxeram retornos elevados, depois de uma década andando de lado. A responsabilidade por essa reversão cabe principalmente a Vladimir Putin, que, ao pôr os pés em território ucraniano, bagunçou as cadeias de suprimento do trigo, de fertilizantes, do petróleo e gás.”
Ao colocar em xeque as fontes de energia russas que movimentam a máquina industrial alemã e o consumo do dia a dia no continente, a guerra na Ucrânia atua como um fósforo em um barril de pólvora, qual seja: a das bases da economia, do modo de vida moderno e da ordem mundial. “O fundamento da nossa civilização está sendo embaralhado. Não é impossível que apareça uma nova ordem mundial, mas, por enquanto, estamos em um mundo desordenado.”
Thompson é a autora dos livros “Oil and the western economy crisis” (“O petróleo e a crise econômica ocidental”), de 2017, e do recente “Disorder: Hard time in the 21st century” (“Desordem: tempos difíceis do século 21”). Esse último foi lançado em 24 de fevereiro, ao mesmo tempo em que os primeiros tanques russos atravessaram a fronteira da Ucrânia, e têm muito a nos dizer.
A alta chegou a bater em quase 40% no índice S&P 500, enquanto o índice geral apresentava queda de 6%. São empresas que sofrem com o início da pandemia, dois anos atrás, e começaram a se recuperar no ano passado. A Saudi Aramco, em particular, chegou a desbancar a Apple como empresa mais valiosa do mundo, em abril. Segundo análise da agência internacional de energia, foi a expansão da oferta, sobretudo em petróleo e gás, com o desenvolvimento de métodos como o fraturamento hidráulico (“fracking”), a exploração de óleo em águas profundas, que acelerou fontes alternativas, com destaque para a solar e a eólica. (Na década de 1980, o conjunto de empresas formados por Shell, ExxonMobil, BP, Total e congêneres correspondia a 25% do índice de ações americanas.)
Em março, a imprensa americana repercutiu a afirmação do investidor Niki Giakoumakis, fundador do fundo Neirg de gestão de fortunas, que o acrônimo Fang (Facebook [hoje Metal], Amazon, Netflix, Google [hoje Alphabet] “vai passar a designar combustíveis [Fuel], agricultura, recursos naturais e ouro [Gold]”.
A Noruega, maior produtora europeia, informou ainda em março que já exporta o máximo possível para o resto do continente. A aproximação recente dos EUA com a Venezuela também não deve trazer frutos, segundo Luciani, em razão do descalabro da infraestrutura no país sul-americano. Países como Líbia, Argélia e Catar têm sua produção comprometida com outros compradores, sobretudo na Ásia. O vice-chanceler alemão, Robert Habeck, esteve no Catar e ouviu que o emirado poderia enviar até 15% de sua produção para os europeus, mas só daqui a três anos, apesar da promessa de dobrar a capacidade total de produção. A Argélia, terceiro maior exportador de gás para a Europa, negociou em abril um aumento de remessas para a Itália e em maio fez o mesmo pela Alemanha. Mas o acréscimo corresponde a menos de 5% do que o continente recebe da Rússia…
“A Gazprom foi muito agressiva para conquistar o mercado europeu, a ponto de sofrer um processo por comportamento monopolístico”, ofereceu o gás a preços extremamente competitivos, para derrubar a concorrência do gás natural líquido americano. À pergunta de Draghi, que ecoa a tradicional dicotomia entre produzir canhões ou manteiga, expressa quanto uma crise energética pode afetar o equilíbrio social e político da sociedade contemporânea.
“A situação pode ser até mais radical que os anos 70”, diz Thompson, argumentando que o alto consumo per capita de energia era fenômeno apenas ocidental, mas hoje está espalhado pela Ásia e muitos países em desenvolvimento. Hoje, a Ásia consome tanta energia per capita quanto a Europa, senão mais. A Rússia pode voltar-se para a Índia, a China e já fornece 65% de energia da Índia.
“A energia exerce influências às vezes subterrâneas sobre a sociedade moderna, porque ela impacta tudo o que fazemos e qualquer coisa que queiramos fazer”, afirma o antropólogo Dominic Boyer, professor da Universidade Rice, no Texas.
Afora isso, o pêndulo econômico se deslocará para a Ásia envolvendo a Malásia e a Indonésia, cujas populações são muito grandes.
O que garante a existência da Rússia em face da Otan é o seu poderio nuclear (ogivas atômicas em silos árticos) e submarinos com armamento atômico. O Ocidente terá sido um acidente nos quatro séculos que nos precederam, o mundo volta-se para além do Himalaia!
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