Sacha Calmon
Advogado, coordenador da especialização em direito tributário da Faculdades Milton Campos, ex-professor titular da UFMG e UFRJ.
No documento oficial da Cúpula de 14 de junho, pela primeira vez a Otan apontou nominalmente a China como desafio para seus membros.
Ao contrário da estratégia de Donald Trump, a política externa de Joe Biden quer restabelecer os pilares da ordem mundial liberal erigida com a consolidação da liderança americana na sequência da vitória na Segunda Guerra Mundial. O presidente joga no tabuleiro do Indo-Pacífico em busca de oportunidades para se contrapor à capacidade de liderança e ambições chinesas. A expansão dos projetos geopolíticos de Pequim tem criado diversos descontentamentos na Casa Branca.
Alegações de que investimentos chineses criam dívidas impagáveis para os beneficiários estimularam críticas severas em países como Malásia, Maldivas, Montenegro, Sri Lanka e Indonésia; não são da conta dos EUA.
A atual administração da Casa Branca tenta encorajar seus tradicionais parceiros a estabelecerem planos multilaterais robustos no enfrentamento da influência chinesa com arranjos militares, coisa do passado. A luta é comercial, e não ideológica.
Nos anos de Trump, os EUA enfatizavam apenas suas capacidades nacionais de fazer frente aos planos chineses. As iniciativas diplomáticas do presidente republicano para buscar aliados se reduziam de fato às tentativas de institucionalizar arranjos como o Quad, de acordo com suas políticas militares. Com esse enfoque, não houve resultados expressivos na desejada atração nem mesmo dos parceiros do próprio Quad. Austrália, Índia e Japão continuaram reticentes a assumir movimentos assertivos contra Pequim e indicavam considerar os EUA como parceiro pouco confiável. Mais que isso, Washington assistiu à proliferação de estratégias nacionais para o Indo-Pacífico não apenas dos integrantes do Quad, mas também do Reino Unido, da França, da Alemanha e de blocos regionais como a Asean. Agora, Biden quer ser o dono do mundo. Mas como?
Na reunião dos líderes do G-7, foram lançadas as bases do “Reconstruir um mundo melhor”, iniciativa que emula a estratégia nacional de Biden, “Build better back”.
Ainda em estágio preparatório com a África já tomada pela China, pretende prover crédito de US$ 40 trilhões, durante 15 anos, com apoio da iniciativa privada, para estabelecer projetos de infraestrutura em países de baixa renda que valorizem esforços anticorrupção, regras ambientais e transparência nas questões financeiras. Vale destacar que a iniciativa foi apresentada numa reunião em que o anfitrião, o Reino Unido, convidou Índia, Austrália e Coreia do Sul, três potências do Indo-Pacífico. Isso é possível ou sonho irrealizável?
O “Reconstruir um mundo melhor” busca integrar diversos projetos de iniciativas de membros do G-7. O Japão se destaca por sua tradicional diplomacia de promoção de investimentos e desde 2017 está empenhado em consolidar o Corredor de Crescimento Ásia-África, em parceria com a Índia, focado em parcerias nos setores de saúde, tecnologia e infraestrutura. Porém, enquanto diplomatas indianos dão sinais favoráveis ao projeto, aparecem receios de membros da União Europeia. A Itália teme que medidas provocativas contra Pequim provoquem reações negativas sobre seus vantajosos fluxos comerciais e também sobre os investimentos chineses, da ordem de US$ 98 bilhões nos últimos anos. Roma aderiu recentemente à BRI, para descontentamento de parceiros do G-7. Esse G-7 foi idealizado em face da União Soviética, que nem existe mais. A Rússia e a China são hoje capitalistas, embora autocráticas.
Os países do G-7 se comprometeram a doar também um bilhão de doses para países mais pobres por meio do sistema Covax da ONU. Esse ponto é tema controverso entre os europeus. A China se fortaleceu como grande doadora de imunizantes para diversos países e com isso reforçou seus laços diplomáticos com Budapeste. A Hungria foi o primeiro país da UE a receber doses de vacinas chinesas, além de robustos fluxos de investimento chinês, com destaque para a inauguração do primeiro complexo universitário chinês no território da zona de integração europeia. O movimento foi seguido pela Sérvia, um dos países interessados em aderir à UE e que se destaca no continente pela velocidade do programa de imunização. O presidente Aleksandar Vucic se referiu a Xi Jinping como “irmão” e beijou a bandeira chinesa ao receber respiradores, equipamentos de segurança e máscaras contra a COVID-19, em Belgrado.
As asserções se baseiam em João Paulo Nicolini Gabriel, doutorando em ciência política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e em Carlos Eduardo Carvalho, professor da PUC-SP, Departamento de Economia e Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas.
Biden acha que o mundo carece de lideranças, mormente a Europa; é o contrário. Está colhendo antipatias e já se nota mais moderação em seus discursos. Quando se reuniu com Putin foi alvo de enigmático sorriso do russo, algo difícil de se ver…
Trump, apesar de tudo, era mais esperto e capaz de ler melhor o cenário internacional.
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