Nem me venham falar de conexão ou crimes correlatos nem em ata de tribunal alterando jurisdição e competência
A jurisdição é o espaço geográfico dado a juízes e tribunais para exercer o dever de dizer o direito (jurisdicere), desde o Direito Romano, matriz da ciência e da jurisprudência do mundo ocidental. E mesmo em países onde esteve a viger o rústico “common law” ou “law of the land” típico das tribos germânicas e anglo-saxônicas (ler Renê David).
A fixação prévia da competência para conduzir os autos do processo e decidir implica limites materiais, pessoais e territoriais.
Para simplificar e entrar no que interessa vamos falar em dois critérios apenas: material e o territorial, porquanto muita vez a competência do juiz é dada em razão da matéria ou do espaço territorial em que se encontre. Há turmas que só julgam matérias atinentes ao direito de família ou às falências e concordatas (recuperação judicial) ou ações e recursos às Fazendas Públicas. Há juízes cíveis e criminais e até mesmo juízos, como é o caso da Justiça Federal brasileira, que somente julgam questões em que a União é autora, ré, opoente ou assistente.
A 13ª Vara Federal Penal de Curitiba ocupava-se de crimes federais e dos relativos ao sistema financeiro, mormente remessas ilegais de divisas ao exterior. Era, pois, uma vara superespecializada com jurisdição restrita ao território da região sul (Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul) submetida ao Tribunal Regional Federal com sede em Porto Alegre. Noutras palavras, sua competência era para julgar crimes relativos a matérias predeterminadas, ocorridos em sua jurisdição territorial, no estado do Paraná.
Nem me venham falar de conexão ou crimes correlatos, somente possíveis se ocorridos em sede territorial da 13ª Vara de Curitiba nem em ata de tribunal alterando jurisdição e competência e usurpando competência constitucional.
Fui um dos primeiros professores de direito (já fui procurador-chefe de Fazenda Pública e juiz federal – Rio e BH) a proclamar a profunda estranheza pela existência de uma entidade extrajurídica denominada “Lava-Jato” (só porque existia um posto de gasolina e lava-jato onde operava um doleiro de Curitiba) viesse a se tornar uma zorra maluca a julgar “Deus e todo mundo” que tivesse, real ou presuntivamente, praticado qualquer crime contra o poder público federal, desde um simples peculato até a remessa ilegal de divisas ao exterior, violentando de modo brutal o sistema de justiça.
Dito isso, expresso meu profundo respeito à honestidade e sinceridade do ex-juiz Sergio Moro, embora me acanhe o seu desconhecimento ou pouco entendimento do Direito Processual Institucional (competência e jurisdição). Sim porque poderia declinar de inúmeros casos e matérias que descabiam ou desbordavam de sua jurisdição, fazendo da conexão processual uma leitura errada.
Agora o povo e até advogados e, o que é pior, desembargadores acham, com toda razão, porque não se viu isso a tempo. “Efeito manada”, pressão política e pouca reflexão do juiz Moro e dos desembargadores federais do TRF/Sul e do STJ (em parte).
Contudo, a matéria foi várias vezes objeto de comentários de Teori, Marco Aurélio e Gilmar Mendes, extra-autos, vituperando essa imensa concentração jurisdicional. Os agravos sempre ficavam adstritas a questões outras (que chegaram ao Supremo). A primeira que em embargos com efeitos infringentes do julgado que chegou com o objeto específico e redondo, da incompetência do juiz Sergio Moro ou da 13ª Vara Criminal de Curitiba, ocorreu agora, em agravo regimental em habeas-corpus e prosperou com um dos maiores ministros do STF, moral e juridicamente, o ministro Edson Fachin.
Vejam bem, o que tem a ver com Sergio Moro, que estava lá no Paraná, com uma suposta posse de Lula, de sítio em Atibaia (em São Paulo) de resto, sem escritura nem contrato de compra e venda? (É diferente da mansão de R$ 6 milhões de Flávio Bolsonaro). Teve escritura o dinheiro? Sabe-se lá!
Moro tinha, por qual razão, que julgar uma suposta propriedade de Lula de um apartamento em Guarujá? Não há trato ou escritura.
Eu mesmo fiquei aturdido com “provas” alardeadas que depois verifiquei serem indícios: “tinha uma cadeira com o nome Letícia” (já falecida) em Atibaia (ridículo).
Portanto, é de se respeitar o ministro Edson Fachin, homem de coragem física e moral, juridicamente falando, ao anular por vício de competência processual insanável os processos do Lula.
Quanto ao aspecto político, também não tem como evitar que Lula ganhe (e fácil) de Bolsonaro, se vier a ser candidato. E nem sou lulista nem petista. Minha praia é a democracia em regime semipresidencial como na França e Portugal.
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