A saída de Trump confrontará líderes autoritários com desafios imediatos
Segundo Marc Champion, da Bloomberg, nos EUA, embora muitos governos provavelmente comemorem o fim da presidência menos convencional e caótica dos EUA em tempos modernos, outros terão motivos para saudades. Para os líderes da Turquia, Coreia do Norte e Israel, o histórico é satisfatório. A saída de Trump os confrontará com desafios imediatos.
Líderes autoritários que mais ganharam nos quatro anos de Trump temem que sua saída signifique o retorno a uma política externa mais convencional, como costurar alianças e promover valores, como a democracia e os direitos humanos ou o combate à mudança climática. “Este presidente abraça todos os malfeitores do mundo”, disse Joe Biden em evento recente.
Vejamos. Kim Joung-un: nenhuma relação mudou mais sob Trump do que a da Coreia do Norte. O que começou com ameaças e insultos se transformou numa troca de elogios bizarra. Kim e Trump se encontraram três vezes, que evidenciaram uma química “misteriosamente maravilhosa”. Ainda assim, essa abordagem diferente dos EUA também fracassou em garantir a desnuclearização da Coreia. Kim fez um novo míssil balístico intercontinental em outubro, capaz de lançar várias ogivas nucleares. Biden disse que não se encontrará com o líder norte-coreano, tornando improvável a suspensão das sanções.
Mohammed bin Salman: Trump deu o tom das relações internacionais na Arábia Saudita, escolhendo Riad para sua primeira visita ao exterior, em 2017. O príncipe-regente saudita obteve ganhos importantes, sobretudo a retirada dos EUA do acordo nuclear de 2015 com o Irã, maior rival saudita. Trump ofereceu apoio pessoal e vetou sanções do Congresso quando o príncipe foi acusado de ordenar o assassinato, em 2018, do proeminente jornalista, crítico do regime, Jamal Khashoggi. Os líderes sauditas continuarão com Biden. Ainda assim, com a saída de Trump, um foco tradicional dos EUA nos direitos humanos provavelmente retornará a se impor e uma porta poderá se abrir para a retomada do acordo com o Irã.
Recep Erdogan: Trump tem sido aliado do líder turco. Impediu o Congresso americano de impor sanções à Turquia após comprar o sistema de mísseis S-400 da Rússia, apesar de o país ser da Otan (a aliança militar ocidental). Erdogan persuadiu Trump a retirar as tropas americanas das áreas curdas do Norte da Síria, para que tropas turcas assumissem o controle da região, decisão tomada sem consultar o Pentágono e os aliados dos EUA. Ora, os curdos lutaram no terreno contra o Estado Islâmico.
Xi Jinping: Trump tem sido mais agressivo com a China do que qualquer presidente dos EUA na história recente, tendo aplicado tarifas de importação a produtos chineses, porém sem sucesso. Ela pode se beneficiar de uma relação menos emotiva com os EUA se Trump perder, mais realista.
Vladimir Putin: A suposta intromissão da Rússia na eleição de 2016 produziu uma investigação formal nos EUA e um relatório de 448 páginas. Mas Putin tirou a sorte grande. Trump questionou o valor da Otan e até mesmo o status de países aliados como a Alemanha, enfraquecendo a aliança ocidental, que os líderes russos, desde o tempo da União Soviética, tentam romper. Putin obteve poucos ganhos no acordo de controle de armas, liberando dinheiro para outros fins. Moscou vê perspectivas de melhora num governo Biden.
Jair Bolsonaro: O presidente perderá a relação privilegiada com a Casa Branca. É tido por autoritário nos EUA. Bolsonaro manifestou sua torcida pela reeleição de Trump. “Espero, se essa for a vontade de Deus, comparecer à posse do presidente reeleito nos EUA”, disse ao receber em Brasília o assessor de Segurança Nacional, Roberto O’Brien. Após o primeiro debate entre Trump e Biden, criticou o candidato democrata por propor plano de reflorestamento para a Amazônia e sugerir que o Brasil poderá enfrentar consequências econômicas se não reduzir o desmatamento e as queimadas.
Benyamin Netanyahu: Trump impulsionou a agenda nacionalista do líder israelense ao reconhecer a soberania de Israel na Colinas de Golã e ao transferir a embaixada dos EUA para Jerusalém. O plano israelense de anexar partes da Cisjordânia só retornará se Trump ganhar. Autoridades de Israel temem o retorno dos EUA ao acordo nuclear com o Irã num governo Biden.
Andrzej Duda e Viktor Orbán: Criticados na Europa, os líderes da Polônia e da Hungria, respectivamente, encontraram apoio em 2017. Trump escolheu Varsóvia para um discurso importante no qual redefiniu o Ocidente em termos de valores conservadores e cristãos – validando a agenda de direita de Duda e Orbán. O premiê húngaro endossou abertamente Trump ao dizer que não quer ver o retorno do “imperialismo moral” que um governo democrata traria à Casa Branca. Em seu comentário sobre a predileção de Trump por “bandidos”, Biden destacou a Hungria e a Polônia, junto com a Bielorrússia pós-soviética, enquanto alertava os riscos para o Ocidente decorrentes da “ascensão de regimes totalitários em todo o mundo”.
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