Ou Bolsonaro muda sua política ambiental ou sofrerá sanções. E Salles não vai passar mais nada por baixo do arame da cerca.
Segundo Fernando Lopes (SP), o principal destino das exportações brasileiras do agronegócio, a China, tende a manter esse protagonismo até onde a vista alcança, dada a tendência de crescimento de sua economia e, consequentemente, da demanda por alimentos de sua gigantesca população. “Mas não é por isso que o Brasil pode se deitar sobre a divisas geradas pelas vendas ao país asiático, sob o risco de ver seu poder de barganha diminuir e de perder mercados em países e regiões importantes para manter a pauta comercial diversificada”.
É o que reforça estudo recém-concluído pelo Departamento do Agronegócio (Deagro) da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), baseado na evolução dos embarques do setor para China, União Europeia e Estados Unidos entre 2009 e 2019. O trabalho realça não apenas a disparada das vendas para a China e a crescente dependência de cadeias produtivas brasileiras, como a da soja, por exemplo, onde a China é a grande protagonista.
“Preocupa-nos ver uma concentração cada vez maior nas exportações para a China, e em poucos produtos”, afirma Roberto Betancourt, diretor do Deagro. Em 2009, aponta o estudo, baseado em dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex), os embarques do agronegócio brasileiro para a China renderam US$ 8,9 bilhões, ou 15% do total setorial. Já em 2019, as vendas somaram US$ 31 bilhões, quase 250% a mais, e a participação chinesa subiu para 32%. No intervalo de 12 meses entre agosto do ano passado e julho último, foram 33% de US$ 71,3 bilhões. Um crescimento gigantesco.
Soja e celulose encabeçaram os embarques à China em 2009 e continuam na ponta em 2019. Mas houve uma importante mudança no perfil das vendas com a ascensão dos embarques de carnes bovina, de frango e suína, que são produtos de maior valor agregado.
“Nos últimos anos, a geopolítica também beneficiou o Brasil na China por causa das disputas comerciais entre Pequim e Washington, mas, em contrapartida, tem nos prejudicado na UE”, observou Betancourt. Ele se refere, é claro, às constantes críticas europeias em relação a problemas ambientais no Brasil, que podem também servir de pretexto para barreiras protecionistas. O fato é que, em 2009, as exportações do agronegócio brasileiro para a UE alcançaram US$ 19,1 bilhões, ou 30% do total setorial, e no ano passado o valor caiu para US$ 16,8 bilhões, ou mirrados 17,3%.
Betancourt nota que mesmo nos EUA, concorrente do Brasil em mercados como grãos e carnes, ainda há um grande potencial a ser explorado com acordos específicos. “Os EUA importam US$ 20 bilhões por ano em frutas, por exemplo, e nossa participação é próxima de zero.”
As ações que o governo identifica como “parte de uma campanha para manchar a imagem do país” no exterior vieram para ficar, afirmou Alexandre Ghisleni, diretor do Departamento de Promoção do Agronegócio do Ministério das Relações Exteriores. Na opinião do diretor, a “marca país” deve estar dissociada de quem ocupa determinados cargos e precisa ser liderada pelo setor privado. Mas, no Brasil, Bolsonaro palpita em tudo, até sobre vacinas, com seu espírito de “veterinário”.
“Precisamos contestar as informações erradas, distorcidas, fora de contexto, levantadas por setores estrangeiros com objetivos protecionistas, a fim de restabelecer a igualdade na questão da concorrência com os demais países.” Ele citou, por exemplo, que a área desmatada ou queimada em 2019 para plantio de soja foi ínfima. “Se quiser achar soja produzida em região desmatada, existem 99,9% de chances de não encontrar.”
Marcello Brito, presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), afirmou no mesmo evento que as críticas internacionais são mais ligadas ao processo político e de gestão ambiental no Brasil do que diretamente ao setor produtivo. “Não existe, a não ser pela carne, nenhum movimento sério e organizado contra o agronegócio brasileiro no exterior, mas contra a política ambiental de Bolsonaro.” Procede. Monitoramento do Twitter mostrou que, de janeiro a setembro deste ano, houve mais de 95 mil postagens negativas sobre o Brasil e 386 milhões de usuários alcançados. O foco das divulgações foi a questão ambiental em geral.
“O agronegócio brasileiro, com um carimbo de Amazônia sustentável, não tem para ninguém”, disse Marcello Brito, que lembrou a reverberação negativa da administração brasileira também nos EUA. “É muito comum a gente dizer que é coisa de europeu bater no Brasil. Mas tivemos uma carga também nos EUA.” E se Biden ganhar, Bolsonaro ou muda sua política ambiental ou sofrerá sanções. E Salles não vai passar mais nada por baixo do arame da cerca.
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