A ineficácia desse modelo de tributação, combinado à regressividade e discriminação tributárias dele decorrentes, acabam por retirar-lhe qualquer justificação legítima
Demonstra a experiência que a tributação tem interferência direta e indireta na atividade econômica. Em outras palavras, a produção e o consumo serão substancialmente distintos quanto maior a diferenciação entre os tributos sobre eles incidentes.
Se por um lado inexistem controvérsias quanto à veracidade de tal afirmação, por outro, parece correto afirmar que o consenso não grassa muito além disso. Afinal, a questão se torna deveras tormentosa quando se busca antecipar eventuais benefícios e/ou malefícios advindos da submissão de uma atividade econômica a algum regime tributário específico.
A tentativa de se promoverem finalidades benéficas à população a partir do regime tributário tem tudo a ver com tema dos mais interessantes sobre política tributária e finalidades extrafiscais, a saber, o chamado sugar tax (ou tributo sobre bebidas açucaradas).
O sugar tax pode ser entendido como o aumento deliberado da carga tributária sobre bebidas açucaradas, com o objetivo de induzir a redução de seu consumo. A redução no consumo funcionaria como meio de promoção da saúde pública – essa, por sua vez, a finalidade que, em última instância, estaria sendo promovida.
Nesse sentido, anota o Projeto de Lei 2.183/2019 (senador Rogério Carvalho, PT/SE), em trâmite no Senado Federal, que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o consumo excessivo de açúcar seria dos principais responsáveis por problemas como obesidade, diabetes e queda dentária. Referido projeto, então, prevê a instituição de Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico sobre a comercialização de refrigerantes e bebidas açucarados (a chamada Cide-Refrigerantes), à “módica” alíquota de 20%.
Alinhado a essa perspectiva, merece destaque também o PL 8.541/2017, dessa vez da Câmara dos Deputados (deputado Paulo Teixeira, PT/SP), o qual prevê a majoração da alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de 4% para 5% sobre bebidas não alcoólicas que contenham açúcares adicionados.
A lógica pressuposta por tais projetos, apesar de a priori sedutora, há de ser vista com ressalvas – como, inclusive, demonstra a experiência internacional. Isso porque os efeitos daí decorrentes não necessariamente coincidem com os que se têm em mente quando de sua discussão e implantação. Em verdade, percebe-se pouca influência na questão da promoção da saúde e prevenção da obesidade (pouca efetividade, pois) e altos impactos socioeconômicos.
Afirma-se que a Dinamarca foi o primeiro país no mundo a adotar uma rígida política tributária sobre o açúcar, já nos idos de 1930. Esse mesmo país, todavia, em 2013, acabou abolindo esse modelo de tributação – em conjunto à tributação sobre alimentos gordurosos (fat tax), criado em 2011 –, com o precípuo objetivo de recuperar o número de empregos perdidos nas cidades próximas às fronteiras.
A razão era simples: os dinamarqueses cruzavam as fronteiras com Alemanha e Suécia para comprar os produtos mais onerados em seu país por um preço menor. Situação análoga se constatou nos Estados Unidos da América, especificamente nas cidades de Berkeley e Filadélfia, após terem instituído o sugar tax em 2015 e 2016, respectivamente.
Em complemento, é ver o exemplo da Hungria, da França e do Chile, onde são escassas e inconclusivas as evidências sobre a eficácia de tal política tributária, além do México.
No caso mexicano, pesquisas demonstram que (1) enquanto o preço per capita das bebidas açucaradas foi elevado em torno de 12%, a redução observada estava em torno de 3,8%; (2) a população de baixa renda não reduziu o consumo de bebidas açucaradas, sendo responsável pela maior parte da arrecadação; (3) os lares habitados por pessoas obesas estavam entre os menos influenciados pelo sugar tax; e, por fim, (4) a ingestão calórica decorrente de bebidas e alimentos não tributados aumentou, restando inalterada a ingestão de calorias totais.
Especificamente para o caso brasileiro, merece destaque a carga tributária crescente sobre refrigerantes (que é a maior da América Latina, superior até à de países que já instituíram o sugar tax). Em paralelo, pesquisas do Ministério da Saúde indicam redução na frequência do consumo de refrigerantes entre 2007 a 2018, período no qual a obesidade cresceu.
Em síntese, a ineficácia desse modelo de tributação (sobretudo se considerarmos que refrigerantes e bebidas açucarados representam em torno de 1,7% das calorias totais consumidas por domicílio, segundo o IBGE), combinado à regressividade e discriminação tributárias dele decorrentes, acabam por retirar-lhe qualquer justificação legítima. Com razão, pois, o então ministro fiscal dinamarquês Holger Nielsen, para quem “tributar comida por razões de saúde pública é equivocado na melhor das hipóteses e contraprodutivo na pior delas”. O sugar tax, especialmente em tempos de crise financeira, salga e azeda o já sofrido dia a dia dos brasileiros.
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