A administração pública e as carreiras de Estado no regime democrático de direito devem ser providas tecnicamente, especialmente as chefias.
Mataram o prefeito de Santo André. Até hoje os assassinos estão impunes. O caso envolveu o PT do ABC paulista. O mensalão petista está para ser julgado pelo ministro Joaquim Barbosa, adoentado. Quanto aos aloprados do PT, que quiseram envolver Serra na última eleição estadual, em que pese o presidente ter exigido “severas apurações” da Polícia Federal, até hoje o inquérito não ficou concluído. Foi abafado. As desculpas são as de sempre: “Nada sei”, “é leviano nos imputar a autoria”, “exigimos severas investigações”. Como a presunção constitucional é de inocência, as investigações demoram…
Os graúdos mandam os prepostos e os miúdos fazerem o serviço. Quando a impressa grasna, como os gansos do Capitólio, os maiorais tiram o corpo fora e se livram soltos (e até indignados). Dossiês e quebras de sigilo, caso do Francenildo e o aparelhamento do Estado, não são novidades nesses oito últimos anos, nem a permanente intenção de controlar a imprensa livre, inclusive com a criação de “veículos do Governo”, como a TV estatal, a TV dos Trabalhadores, recém-inaugurada, e a censura velada. Agora vem a lume o caso dos próceres do PSDB. Por mais que o PT se declare democrata, seus gens não combinam com ela: derivam do sindicalismo de protesto e dos movimentos comunistas e marxistas a que se uniram os católicos da ação popular e da teologia da libertação, ao confluírem com outras forças para derrocar a ditadura militar. Quem herda nada furta. O coração verdadeiro do PT palpita no peito de Plínio de Arruda Sampaio. O que restou do partido enrolou- se na vaidade e na ânsia do poder. Os ideais nobres e igualitários de milhares de militantes se recolheram envergonhados ou desgastados, desde a redemocratização do país até esta parte de nossa história. É duro ver Lula e Dilma de mãos dadas com Sarney, Barbalho e Collor. É o poder pelo poder. Os fins justificam os meios.
Seja lá como for e para isso é desnecessária uma reforma política, o que precisamos em nosso processo civilizatório é distinguir com acurácia a diferença entre projetos pessoais de governo e políticas de Estado; entre governo eleito e administração pública; como ocorre há oito décadas na Europa ocidental e nos EUA, ou seja, desde o pós-guerra.
A administração pública e as carreiras de Estado no regime democrático de direito, acolhedor da independência dos poderes, devem ser providas tecnicamente, especialmente as chefias, justo o contrário do que se pratica no país até hoje, quer no âmbito nacional, quer nos estados e municípios. A “privatização” dos cargos de chefia de recrutamento amplo, ditos de confiança, ou sua partidarização, tem sido uma constante, mormente no âmbito federal e até os cargos de recrutamento restrito, ou seja, os que devam ser providos com gente da casa são ocupados por pessoas dos partidos da base, ou que a ela jurem subserviência e lealdade. Quem não se lembra do computador do ministro José Dirceu, com 24 mil cargos a preencher do 1º ao 4º escalão, no âmbito da União e das empresas estatais? Uma lista como essa seria repudiada nos países realmente democráticos. Neles, as pessoas do staff comandam o governo, sem interferir na estrutura permanente que administra o Estado. No Brasil, mais 3700 cargos de confiança foram criados por Lula.
Nessa horrível confusão entre o público e o privado, à conta de nosso peculiar presidencialismo de coalizão – em que as alianças não se fazem por programas de governo, como recentemente se fez na Inglaterra –, mas com base na repartição dos cargos, poderes e funções públicas, é que se desenrolam nossas vicissitudes e coram nossas faces perante o mundo civilizado. É impossível no Brasil, menos nas Forças Armadas e no Poder Judiciário, fazer com que o funcionário público, em cargo de chefia ou direção, atue de modo isento e não político na condução da coisa pública. Ele deve sua nomeação a alguém, a um grupo, a um partido, a um superior igualmente penhorado. Ele não serve à sociedade nem aos valores da Constituição, esta tão evoluída e democrática. Ele serve a si próprio, ao seu chefe, ao seu grupo, ao seu partido. Quem esperar que as chefias da Polícia Federal ou da Receita Federal sejam instituições do Estado, insubservientes aos governos, é desinformado ou ingênuo. O Estado está aparelhado.
Noutras palavras, é um grande aparelho partidário compartilhado, um despojo público mantido às nossas custas, para nossa tristeza e inconformidade, a servir a aproveitadores. Basta olhar esse pobre Cartaxo que responde pelo comando da Receita Federal para se ter a confirmação do que ora digo. As informações não foram usadas porque nada de errado continham…
Quem nos EUA duvidou, 30 dias depois que, por trás da bisbilhotice do Partido Republicano, não estava Nixon e a Casa Branca? Aqui não. A devassa nem de longe tem a ver com o PT. Lá, houve renúncia. Aqui, enrolação.
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