Não me venha o governo, no futuro, com alegações de urgência para criar novos impostos ou contribuições por medidas provisórias
Cabe aqui gizar que o tributo, nas sociedades ocidentais praticantes da democracia, é matéria sob estrita reserva de lei, em sentido formal e material. Daí o prestígio do princípio da legalidade, de que é corolário o princípio da tipicidade (ou da minuciosa determinação estrutural e conceitual do tributo). Vale dizer: o legislador, só ele, faz a lei tributária. E, em a fazendo, deve dizer com claridade quais são os seus elementos, retirando ao aplicador da lei todo e qualquer subjetivismo. O tributo deve nascer de um fato-tipo, um fato tipificado (ter renda, casa, carro).
O conceito de tributo no sistema brasileiro, fruto de intensa observação do fenômeno jurídico, é dos mais perfeitos do mundo. Se nos compararmos com os países do common law, com a Itália, França e Alemanha na dogmática, a vantagem da tributarística brasileira desponta com notável evidência, sendo lastimável que as faculdades de direito, pela desatualização dos currículos e a rapidez dos cursos de direito tributário, não formem juristas versados verdadeiramente na matéria. O que se vê, na prática, é uma fantasmagórica confusão de ideias, aquele “mistifório” provocador da “insegurança kafkiana” a que se referiu Gilberto de Ulhôa Canto. No entanto, a segura compreensão dos artigos 3º e 4º do Código Tributário Nacional seria suficiente para apaziguar os ânimos. O que estamos a dizer não passou despercebido a juristas de escol. Por todos, pontifica Geraldo Ataliba: “O Código Tributário Nacional conceitua tributo de forma excelente e completa. Prescreve: ‘Art. 3° – Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.’ É notável a cláusula que não constitua sanção de ato ilícito porque permite extremar o tributo das multas. Se não se fizesse a ressalva, o conceito ficaria ambíguo – e, pois, cientificamente inútil – por excessivamente compreensivo, a ponto de abranger entidades tão distintas como obrigações contratuais públicas e a multa de direito público…”. Completo: o tributo não é, nunca, pena, punição, multa.
Oportuna a advertência de A. Becker: “Constrói-se o conceito jurídico-positivo de tributo pela observação e análise das normas jurídicas. A verificação da universalidade e constância de um fenômeno, pelo cientista, leva-o a concluir pelo reconhecimento de uma categoria, a qual, para efeito de síntese, dá uma designação. O aperfeiçoamento da observação que enseja a formulação de uma noção acabada e completa, permitindo a construção de um conceito válido – na medida em que efetivamente retrata e espelha o objeto observado – caracteriza o objeto e o isola dos demais. Identificado, recebe uma designação convencional, pela qual se reconhece um instituto, assim entendido um feixe de princípios e normas reunidos sob o conceito, regulando unitariamente um fato ou situação jurídica, que passa a ter entidade e existência autônoma no mundo do direito”.
Tal o que ocorre com o tributo, sob o conceito deduzido da observação dos fenômenos produzidos no direito positivo. O artigo 3º do CTN tem o notável mérito de, pela cláusula excludente das obrigações que configurem sanção de ato ilícito, multas e indenizações as quais, doutra forma, ver-se-iam nele compreendidas. De fato, essas exigem como causa um ato ilícito.
Portanto, não me venha o governo, no futuro, com alegações de urgência para criar novos impostos ou contribuições por medidas provisórias. A adversidade já se instalou há muito. A tributação federal sobre o lucro e sobre o faturamento das empresas, ainda que deficitárias (PIS, Cofins, FGTS, CSSL, et caterva) já nos impede de crescer. A reforma da Previdência fê-la o Congresso com apoio de Temer. Com ele o país cresceu muito mais do que com Bolsonaro. Resistiremos ao governo no Judiciário, com base nos princípios da anualidade e do numerus clausus. Exige-se lei complementar para mais impostos ou contribuições, após a promulgação da Constituição de 1988.
A declaração de calamidade pública por um estado-membro prorroga, automaticamente, todos os tributos federais para 90 dias depois do vencimento. (Portaria MF 12/2012). Com a queda na arrecadação, preparem-se. Esse governo não merece fé.
Mas – para decepção do sr. Guedes – Bolsonaro não quer reforma tributária alguma. Não quer irritar o andar de cima, com o imposto sobre fortunas, nem o andar de baixo, com aumento dos impostos sobre o consumo. Quer se manter e continuar no poder. O capitão se agarra ao generalato civil. O chefe gosta de ser chefe. A qualidade da chefia, porém, é duvidosa, como foi a sua mamata de 27 anos no Legislativo. Quem dele soube?
Ocorre, porém, com a intervenção da COVID-19 ou não, que seu quadriênio talvez seja o pior da primeira e da segunda repúblicas havidas no Brasil! Se chegar a cumprir-se…
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