É óbvio que os partidos que apoiam o presidente e seu partido no Congresso têm o direito de participar do governo, com seus quadros solicitando obras, apoios, verbas e exercendo cargos
No mundo ocidental, na Índia e no Japão, onde vigem democracias e partidos políticos (nunca mais que cinco, significativos), após as eleições, são formadas maiorias (que respaldam nas casas legislativas o governo) e minorias representativas da oposição ao governo, com os fitos de fiscalizar os governantes, em nome do povo que votou contra o eleito, ao tempo das eleições.
Dado o contexto acima, os partidos — pouco importa se presidencialista ou parlamentarista — construíram sua existência e permanência junto às sociedades, mediante um sistema de crenças e valores compartilhados. Só para exemplificar, nos Estados Unidos, temos republicanos e democratas (existem mais oito, sem expressão). Na Inglaterra: trabalhistas, conservadores e liberais. Na Alemanha, sociais-democratas, socialistas e democratas-cristãos (os principais).
No Brasil, deu-se algo singular. Os partidos não têm cara. Getúlio Vargas foi revolucionário em 1930, ditador de 1937 a 1945 e presidente eleito em 1950, vindo a cometer suicídio durante o mandato. Seguiu-se-lhe Juscelino Kubitschek, o maior de todos os presidentes do Brasil. Na era getuliana, tínhamos quatro partidos significativos: o PTB (getulista), o PSD (juscelinista), a UDN (lacerdista, moralista, milicado) e os PRs (partidos republicanos regionais). Com a ditadura militar, após o golpe armado de 1º de abril de 1964, as Forças Armadas, para dar “ares democráticos” ao regime autoritário que instauraram, criaram dois partidos: a Arena, de apoio ao governo, submisso, e o MDB, supostamente de oposição (oposição consentida e discursiva).
Com a Constituição de 1988 que reiniciou a democracia plena no Brasil, após os 21 anos de chumbo dos seguidos ditadores militares (Castelo Branco, Costa e Silva, Garrastazu Médici, Ernesto Geisel e João Figueiredo, renovou-se a vida partidária), todos “eleitos” indiretamente no parlamento. João Figueiredo, figura singular, tinha por lema “tornar o Brasil uma democracia”. Após ele, com a lei da anistia e a restauração, miríades de partidos pouco representativos surgiram, a ponto de alguns “politicólogos” chamarem o sistema político brasileiro de “presidencialismo de coalizão” ou “presidencialismo de cooptação”. Mas o que significa isso? Que o nosso parlamento é uma espécie de acampamento político, perdidas as referências no regime dos generais. A governabilidade seria assegurada pelo toma lá dá cá.
O que surgiu de significativo foi o pluripartidarismo exagerado, para acomodar as disputas locais em todo Brasil. Além dos nanicos, o PMDB (o ex-MDB), o PSDB supostamente social-democrata, o PFL, o velho PTB e a novidade: o PT, liderado por Lula, que perdeu três eleições antes de se sagrar presidente em 2002. Governou até 2010 (dois mandatos). Hoje está preso por corrupção. Lado outro: hoje, um partido nanico elege um presidente — isso é significativo da inorganicidade partidária brasileira — até então do baixo clero parlamentar, cujo partido tem hoje uma bancada de 54 parlamentares, entre mais de 500 na Câmara dos Deputados!
Esse presidente tem uma concepção primária do governo democrático: “Executivo é uma coisa, Legislativo, outra”. Não é assim. O Executivo, no presidencialismo, governa e o Legislativo faz e modifica leis e até a Constituição (emendas). Logo, o Executivo tem interesse em possuir a “maioria” no Parlamento, daí a figura do líder da maioria, o que não lhe entra na cabeça, a repelir intimidade com o Parlamento, porque acha que a relação é promíscua (toma lá dá cá). Não necessariamente isso é verdadeiro, embora ocorra. Pode ser diferente. Mas é óbvio que os partidos que apoiam o presidente e seu partido no Congresso têm o direito de participar do governo, com seus quadros solicitando obras, apoios, verbas e exercendo cargos. É assim no mundo inteiro. Nem nos regimes semipresidencialistas, como os da França e de Portugal, a postura é diversa. Há semipresidencialismo quando se elege o presidente e o Congresso, cabendo ao primeiro indicar, de acordo com o parlamento, o primeiro-ministro. O presidente é o chefe de Estado. O primeiro-ministro é chefe de governo. Nos reinos, o rei é o chefe de Estado, mas não indica o governo, incumbência do parlamento.
Para evitar que os quadros burocráticos que tocam os governos venham a sofrer, a cada eleição, uma alteração excessiva, vamos seguir o que nos EUA e na Europa (toda parlamentarista) é passado: uma burocracia estável e escolas permanentes de administração, voltadas à máquina governamental. Ademais, uma divisão equitativa entre cargos de recrutamento restrito (chefias que são exclusivas dos funcionários do quadro administrativo) e cargos de recrutamento amplo, quando pessoas são chamadas pelo partido, ou pela coalização partidária vencedora das eleições, para exercerem cargos de confiança. Simples assim.
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