Superpotência militar, nuclear e espacial, a Rússia, em razão do clima inclemente, faz o que pode para se tornar uma superpotência no agronegócio
Vladimir Putin não é apenas o homem enérgico e estrategista, que substituiu o bêbado Boris Yeltsin e vem ganhando seguidas eleições, estando a ponto de igualar-se a Roosevelt, presidente americano que governou os Estados Unidos de 1932 a 1945, assim mesmo, porque morreu. Antes governara o estado de Nova York. Era seguidamente reeleito. O prestigio de Putin não decorre apenas de governar uma potência militar, espacial e nuclear, capaz de confrontar os EUA. A política interna conta muito a seu favor. Está a fazer uma revolução agrícola. Nem se diga que é ditador. Submete-se à eleição. O Partido Comunista — que não é o seu — conta com 18% dos votos, mas sempre diminuindo por uma questão geracional. Os jovens não se identificaram com o passado soviético.
Para entender como o presidente Vladimir Putin vem livrando os russos da dependência de alimentos, basta olhar para as macieiras em Krasnodar, no Mar Negro. Diga-se logo que maçãs e pepinos são especiais para eles. A Rússia adquire cada vez mais equipamentos e tecnologia externos para expandir sua produção agrícola. Nos últimos 10 anos, a estratégia ajudou a criar um colosso exportador de culturas como trigo e cevada. Mas os consumidores nacionais ainda dependem de laticínios, frutas e vegetais estrangeiros. Então, os agricultores vêm importando melhores sementes, estufas e até vacas leiteiras para impulsionar a produção doméstica. Os investimentos agrícolas somaram US$ 6,6 bilhões em 2017, 3,1% a mais que no ano anterior.
A urgência para reconstruir a agricultura doméstica cresceu desde que Putin baniu algumas importações de alimentos em 2014, em retaliação às sanções impostas pela União Europeia e pelos Estados Unidos após a reintegração da Crimeia. A melhoria tecnológica vem dando resultado. As importações de alimentos do país em 2016 totalizaram US$ 23,6 bilhões, 5% a menos do que em 2010, segundo a Organização Mundial do Comércio (OMC). As exportações agrícolas totais, multiplicaram-se extraordinariamente por 16 desde 2000, graças ao enorme aumento na produção de grãos. Há 10 anos, a Rússia era a maior importadora de frango do mundo. Reduziu a compra em 80%, passou a ser potência na avicultura.
A indústria de laticínios American Cows, com sede no Vietnã, planeja investir US$ 2,7 bilhões em projetos na Rússia para vender produtos no mercado local. Ela contratou uma empresa americana para receber cerca de 1,1 mil vacas leiteiras para uma fazenda russa inaugurada em janeiro. Laticínios são um grande negócio. A produção de maçãs subiu cerca de 8% em 2017, enquanto a produção de tomates em estufas aumentou 11%, conforme a União Nacional de Agricultores de Frutas e Vegetais. Apesar disso, a Rússia ainda importa quase metade de suas maçãs e 60% dos tomates de estufas. Nunca se viu povo tão ávido por maçãs, tomates e pepinos em estado natural ou em sopas. O inverno, o outono, o gelo e a neve tomam sete meses todos os anos.
A AFG National vem fazendo sua parte para elevar a oferta de maçãs, e investiu 4,3 bilhões de rublos desde 2015 para plantar 700 hectares, em sua maioria, com mudas italianas, trazidas em caminhões refrigerados. A empresa também plantou algumas variedades russas, mais resistentes. Alguns agricultores querem comprar empresas de sementes de tomate e pepino no exterior. Empresas russas como a Ros Agro pretendem desenvolver um negócio de sementes capaz de concorrer com nomes como a Monsanto.
Superpotência militar, nuclear e espacial, autossuficiente em ciência e tecnologia — caso contrário, deixaria de ser temida por suas armas e respeitada como player global na geopolítica —, a Rússia, em razão do clima inclemente, faz o que pode para se tornar uma superpotência no agronegócio, como os EUA e o Brasil, autossuficiente naqueles itens alimentícios que formam tradicionalmente a base de sua dieta.
A Rússia avança, de modo célere, em trigo e cevada, assustando a Europa. Dificilmente se mudam hábitos alimentares seculares. Eis o ponto central: os laticínios, desde o leite até a imensidão de derivados, não apenas os tipos de queijo, daí a ênfase de Putin na política agrícola. No plano industrial, corre tudo bem. O que desponta agora — e que inexistia na época do socialismo — é o setor de serviços. O turístico é um sucesso.
A Europa Ocidental, derrotada duas vezes pela Rússia com Napoleão (França) e Hitler (Alemanha), perderam as guerras por que invadiram territórios russos. Até hoje, isso implica certa dose de medo inconsciente. A miopia emocional europeia hesita em aproximar-se de Moscou, embora, sem ela, a eurásia será sempre da Rússia, impedindo a Europa Ocidental de expansão para o leste. Três polos de poder estão postos: EUA, Rússia e China, para sempre (multipolaridade na globalização final). O século XXI, porém, será asiático, puxado pelo alucinante crescimento econômico e tecnológico da China.
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